Confronto entre polícia e MP 25/12/2007
- O Estado de S.Paulo
Ao aprovar por 38 votos contra 9 um projeto que proíbe o controle externo das polícias pelo Ministério Público (MP), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara reacendeu a velha rivalidade corporativa entre delegados e promotores de Justiça. Como já passou pela Comissão de Segurança Pública, o projeto, de autoria do deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), ex-delegado federal, agora será submetido ao plenário, onde a “bancada policial” é muito forte. Caso seja convertido em lei, os promotores prometeram argüir sua inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF).
A rivalidade entre as duas corporações começou durante a Assembléia Constituinte, quando o poderoso lobby do MP conseguiu obter a autonomia funcional e administrativa da instituição, desvinculando-a do Executivo. Na época, os promotores reivindicaram, sem sucesso, o direito de fazer investigações criminais, o que sempre foi prerrogativa da polícia. Em maio de 2007, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) baixou resolução institucionalizando o controle externo sobre as polícias e conferindo a promotores competência para instaurar inquérito penal para apurar irregularidades cometidas por policiais. A medida provocou reação imediata dos delegados.
O projeto do deputado Marcelo Itagiba é fruto dessa reação. Segundo a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, os órgãos policiais já promovem o autocontrole por meio de suas corregedorias e têm a prerrogativa exclusiva de abrir inquéritos penais. A entidade afirma que essa regra só poderia ser alterada por meio de lei e não por resolução administrativa do CNMP. “O projeto é um retrocesso”, contra-argumenta Rodrigo Pinho, presidente do Conselho Nacional dos Procuradores Gerais de Justiça dos Estados. “Antes de pensar nos interesses da sociedade, os delegados pensam no interesse corporativo e financeiro da categoria”, afirma o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Carlos Cosenzo.
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Este é um tipo de conflito em que as duas partes, em princípio, têm razão. Segundo os promotores, se o projeto de Itagiba for aprovado, a polícia será a única instituição no País sem qualquer controle externo. Com isso - alegam - as corregedorias policiais poderiam agir corporativamente, engavetando denúncias ou tratando com leniência policiais venais e ignorando acusações de desrespeito aos direitos humanos.
Além de lembrar os sistemáticos abusos que têm sido cometidos em muitas operações espetaculosas da Polícia Federal, por meio de interceptações telefônicas ilegais e vazamento de informações sigilosas para a imprensa, os promotores afirmam que as corregedorias policiais nada têm feito para coibir a expansão das milícias formadas por policiais do Rio de Janeiro, o que constitui um problema tão grave quanto o controle dos morros e favelas por narcotraficantes. Os promotores lembram ainda que, dos 38 deputados que aprovaram o projeto de Itagiba na CCJ da Câmara, 34,2% já foram alvo de queixa-crime por parte do MP e outros 34,2% são policiais de carreira.
Mas os delegados também têm razão quando criticam a pretensão do MP de aumentar suas prerrogativas. Como as polícias, o Ministério Público registra em sua trajetória uma variada série de desmandos cometidos por maus promotores. Há alguns anos, procurando interferir no processo político para favorecer o PT, uns poucos procuradores da República passaram a fazer denúncias infundadas contra o primeiro escalão do governo do PSDB, com o objetivo de macular a imagem pública de seus integrantes às vésperas das eleições. Em São Paulo, há alguns meses, o Órgão Especial do Ministério Público tratou de modo leniente um promotor que, numa rixa de praia, matou a tiros um jovem de 20 anos.
O equilíbrio dos poderes e o controle externo sobre as instituições constituem a essência do Estado de Direito. Por isso, é inadmissível a pretensão das polícias de serem investigadas exclusivamente por elas próprias, como também é inaceitável a pretensão dos promotores de assumirem, contra a letra expressa da lei, prerrogativas que são exclusivas de delegados. Cabe ao plenário da Câmara distinguir o que é interesse público e o que é interesse corporativo, nessa discussão, e aprovar o que é melhor para a segurança da sociedade.