Afoiteza inexplicável 04/02/2008
- O Estado de S.Paulo
Por conta da precipitação com que tem agido e falado sobre a compra da Brasil Telecom (BrT) pela Oi (ex-Telemar), que resultará no que a imprensa vem chamando de a “supertele” brasileira, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, viu-se obrigado a retificar suas declarações, que afetaram as cotações dos papéis das duas empresas negociados na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).
Num dia o ministro disse ter sido notificado oficialmente sobre o negócio, razão pela qual anunciou já ter pronto estudo sobre mudanças nas regras vigentes, que impedem a criação da “supertele”, e que iria apresentá-lo imediatamente à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). No dia seguinte, porém, teve de voltar atrás. Agindo com prudência não demonstrada pelo ministro, outras áreas do governo tomaram a decisão de aguardar a publicação, pelas empresas envolvidas no negócio, de um comunicado de fato relevante para então iniciar o procedimento que Costa queria começar o mais depressa possível.
Trata-se de um negócio que até poderia ser encarado como normal no mundo empresarial se não viesse envolto em atitudes, declarações e intenções não claramente justificadas pelo governo. A afoiteza do ministro é, talvez, o componente menos intrigante do envolvimento do governo nesse caso - Costa deve ter lá seus motivos para estar tão ansioso por ver a fusão consumada.
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Não são convincentes os argumentos invocados pelo governo para justificar sua interferência nesse negócio entre duas empresas privadas. O governo tem sustentado que a formação de uma empresa de capital nacional do porte da que resultará da fusão da Oi e da BrT é necessária para enfrentar a concorrência de empresas estrangeiras, no País e no exterior. Ora, não há, que se saiba, nos planos da “supertele”, projetos de expansão imediata de suas atividades para outros países. Outra alegação do governo é que, no plano interno, a nova empresa aumentaria a concorrência, com benefícios para o usuário. Esse argumento foi repetido pelo ministro das Comunicações há dias.
Não é provável que isso ocorra. Estudo encomendado pelos controladores da Oi ao economista e ex-presidente da Anatel Luiz Guilherme Schymura, cujas conclusões foram publicadas pelo jornal Valor, mostra que é pequeno o risco de se aumentar a concentração de mercado com a formação da “supertele”. Trata-se de um ponto a favor do negócio. Quanto ao aumento da concorrência, porém, se houver, ocorrerá em segmentos específicos do mercado.
No processo de privatização do setor, o País foi dividido em três regiões, das quais coube à Oi a região I e à BrT a região II. No caso da telefonia fixa local, a fusão não mudará em nada a divisão do mercado: na área da Oi, esta detém 93% do mercado e a BrT, 0%; na área da BrT, esta tem 92% e a Oi, 0%. Também no segmento de ligações de longa distância intra-regional, na área dominada por uma empresa a outra não tem nenhuma participação, de modo que, como no caso anterior, a fusão em nada alterará o quadro. Também no segmento de ligações internacionais, a nova empresa não alterará a divisão do mercado. Em todos os casos citados, nem haverá mais concentração nem se estimulará a concorrência.
O que pode mudar é o mercado de telefonia celular móvel e o de serviços de telecomunicações para grandes empresas (transmissão de voz, imagens e textos). Na telefonia móvel, há uma acirrada disputa entre as três maiores operadoras (Vivo, TIM e Claro), cada uma das quais detém uma fatia que varia de 25% a 27,7% do mercado. A “supertele” ficaria com 16,7%. Na área de transmissão de dados, a nova empresa, além de ampliar sua fatia, passaria a dispor de uma estrutura nacional de cabos de fibras óticas, o que a habilitaria a competir com a atual empresa líder, a Embratel.
Esses números não justificam o envolvimento do governo nesse negócio. Menos justificável ainda é seu desejo - refletido na desenvoltura com que vem atuando o ministro das Comunicações - de acelerar a conclusão das negociações, para só então examinar as mudanças no Plano Geral de Outorgas que validarão o negócio. Tenta-se criar um fato consumado para forçar a mudança das regras.
Tudo indica, portanto, que o interesse do governo não se deve aos motivos alegados.