Todos estão certos, ninguém tem razão. Assim se parece a discussão sobre o desmatamento na Amazônia. Dados desencontrados, governo perdido, acusações múltiplas. A hiléia sucumbe na incompetência coletiva.
O assunto começou a embaralhar a opinião pública quando, há dois anos, numa jogada política, o Ministério do Meio Ambiente declarou que a queda no desmatamento, então apontado, era obra do seu governo. Não era crível. Analistas da matéria, incluindo boas organizações ambientalistas, sabedoras da inépcia governamental, creditavam o arrefecimento da devastação à crise da agropecuária.
Na época, a arroba do boi amargava o pior preço em 30 anos. Os parlamentares ruralistas defendiam, na Câmara dos Deputados, a criação da CPI da carne, para averiguar a formação de cartel entre os frigoríficos. Na soja, a quebradeira era geral, motivada pela sucessiva queda do dólar. Por duas vezes seguidas, os agricultores semearam a safra com câmbio melhor, colhendo a produção em pior situação, estraçalhando sua renda. Em Mato Grosso, o custo do frete e os buracos nas rodovias recomendavam nem plantar.
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Segundo afirmava Marina Silva, porém, o ciclo da agropecuária era irrelevante. “Fomos nós”, assegurava a Ministra, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à frente, Polícia Federal atrás, posando de heroína. O desmatamento estava sendo controlado “como nunca na história deste país”... Uma chatice.
Agora que aumentou o fogaréu, virou no avesso o argumento. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), antes impoluto, se vê desacreditado pelo governo. E a culpa da desgraceira recai, vejam só, sobre o boi e a soja. Quando a notícia é positiva, sorte, a responsabilidade cabe ao governo federal. Piora o quadro, azar, lavam-se as mãos, culpa da agropecuária. Política da lorota.
A virtude, sempre, mora no meio. É certo que medidas positivas de fiscalização se implementaram, a começar das malfadadas guias florestais, substituídas por sistema eletrônico no comércio de madeiras. Sabe-se que muita sem-vergonhice ainda se esconde por detrás desse famigerado mercado de toras. Mas melhorou, sem dúvida, o controle público.
É igualmente inegável que a expansão das pastagens e da sojicultura pode acelerar o desmatamento. A “moratória da soja”, porém, pacto assinado entre grandes traders (que comercializam 92% da leguminosa do País) e entidades ambientalistas, Greenpeace à frente, amainou o estrago. Quem plantou soja em terrenos desmatados, após julho de 2006, dificilmente encontrará bom comprador.
Quem é do ramo sabe que, normalmente, após a derrubada da mata virgem surge a pastagem. O solo recém-desbravado impede a mecanização. Muita gente planta arroz ou milho, espécies gramíneas como o pasto, para “abrir” o terreno, ainda cheio de tocos e raizame. Somente no cerrado amazônico a lavoura de soja se instala de imediato.
Processo distinto ocorre na floresta úmida e densa. Como se sabe, a Amazônia legal, uma invenção dos militares, define um território maior que o “bioma Amazônia”. A região de Rondonópolis (MT), por exemplo, conta na Amazônia, mas é dominada pelo cerrado. Cuidado com os conceitos.
Na floresta densa, ao contrário do cerrado, a rapina ambiental chega muito antes da agropecuária. Entender esse ponto é fundamental. Quando vem a derrubada, em corte raso, as serrarias já extraíram a melhor madeira de lei. Primeiro, caem as cobiçadas árvores de mogno, ipê e cedro. Depois, deitam o jatobá e a maçaranduba. Tudo escondido.
O crime ecológico, quando detectado pelo satélite do Inpe, estoura na mídia e bate na cara do agricultor, mas apenas resvala nos verdadeiros ladrões da floresta. Aqui, no comércio da valiosa madeira, reside a origem do problema. Ou se enfrenta a lógica dessa economia perversa ou nada restará da floresta amazônica.
Esse processo histórico, um conluio entre o poder público e o privado, madeireiros e proprietários rurais, posseiros e assentados de reforma agrária, exige duas formas de controle: primeira, a fiscalização do transporte, vistoriando os caminhões nas rodovias que partem da Região Norte. As cargas são volumosas, notórias. A polícia, armada nas barreiras, não pega ladroagem se não quiser.
Segunda, urge reduzir o uso da madeira de lei na construção civil, substituindo-a por floresta plantada (pinus e eucalipto) na confecção de telhados e que tais. São Paulo consome 15% do rico lenho extraído da Amazônia. Nos tempos de aquecimento global, esse costume, quase uma adoração, pelo uso da madeira de lei, inclusive na movelaria, precisa ser repensado. Gosto antigo, oligárquico.
Calma. Para liquidar o assunto falta ainda burilar num dogma: a legislação agrária do País continua confundindo floresta com terra improdutiva. Resultado: para escapar da reforma agrária, ao adquirir uma mata virgem, o proprietário manda derrubar, rápido, tudo o que puder. Vem sendo assim desde os anos 60, com o Estatuto da Terra.
Ora, os tempos mudaram. Terra de onça não pode ser sinônimo de latifúndio. É verdade que, averbando a Reserva Legal à margem da escritura, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) fica impedido de considerá-la improdutiva. Nesse caso, a área preservada fica exposta, sem perdão, aos invasores de terra. Triste sina.
A corrente da devastação somente se inverterá quando um pedaço de floresta, mantido em pé, valer mais que tombado. A equação é complexa, dispensa raciocínio fácil. Um dia a sociedade vai premiar, e não castigar, a conservação ambiental.
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*Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xico@xicograziano.com.br - Site: www.xicograziano.com.br