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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Quem chega atrasado bebe água suja
26/03/2008 - Eduardo Diniz Junqueira*

Ditado caboclo, um tanto simplório, mas que bem se aplica ao nosso desenvolvimento tardio, é o que vai no título. Pois, com a história crítica, parece que nada resta de heróico ou de grandioso no nosso passado. Nem mesmo a grandeza territorial mantida por quatro séculos, que tanto admirava o historiador inglês Robert Southey, como obra tão grande e de tão pouca gente. E aqui cabe lembrar que a diferença entre nós e os Estados Unidos, país de clima temperado, é que somos um país tropical e nada da Europa se adaptava ao Brasil facilmente. Nem o europeu.

O reino português era sui generis. Tinha um rei mercador que participava do empreendimento das viagens oceânicas e, conseqüentemente, demorava a investir no povoamento do Brasil. Somente em 1549 nomeou Tomé de Souza governador-geral. Até então, cuidava apenas das malfadadas capitanias hereditárias e de algumas expedições para patrulhar a costa brasileira contra a presença dos corsários franceses. Enquanto isso, náufragos e degredados transavam com as índias. João Ramalho e Caramuru são os legítimos representantes desses primeiros “povoadores”. Deles nasceram os bandeirantes.

Os espanhóis, em 1541, já haviam conquistado o México, o Peru e chegavam ao Chile, mas nessas regiões havia uma civilização, o ouro, a prata, as esmeraldas e o frio dos Andes. Os nossos índios viviam da caça, da pesca, de pequenas roças de mandioca e não tinham animais domésticos. O trigo e as frutas européias não se aclimatavam nos trópicos. Nem o gado, que crescia franzino, com baixa fertilidade. Os recursos que restaram viáveis foram a cana-de-açúcar e a escravidão, já praticada na África. Pernambuco enriqueceu. São Paulo de Piratininga caçava índios. Com a descoberta das minas, os paulistas passaram de bandeirantes a garimpeiros. A vila de São Paulo se despovoou. Heróis ou bandidos, os bandeirantes alargaram as fronteiras do Brasil.


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A maior imigração européia que o Brasil recebeu, em relação à população então existente, sucedeu com a afluência de reinóis e outros europeus no século 18, atraídos pelas Minas Gerais. O café, planta tropical, provocou nova corrente imigratória no fim do século 19 e começo do século 20. Desta vez, para São Paulo e Estados vizinhos, integrando povos de línguas e costumes diferentes, na mais harmônica miscigenação.

Antes dessa imigração, houve outra, no Primeiro Império, de austríacos (diga-se, alemães e vênetos) para Friburgo e Teresópolis, no Rio de Janeiro; para Santo Amaro, em São Paulo; para o Vale do Rio dos Sinos (a mais antiga, 1820), no Rio Grande do Sul; para Santa Catarina e Paraná.

Conforme paralelo traçado pelo general Cordeiro de Farias, ex-interventor no Rio Grande do Sul e ex-governador de Pernambuco, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo anos atrás, as duas imigrações foram bastante diferentes. Segundo ele, ao contrário de São Paulo, os imigrantes da serra gaúcha e os gaúchos da fronteira, assim como os “barrigas-verdes” de Santa Catarina (ver Um Rio Imita o Reno, de Viana Moog), permaneceram distantes uns dos outros por muitos anos.

Mesmo assim, as patrióticas e sangrentas correrias do Sul, glórias do passado da fronteira, empolgaram os imigrantes. Hoje eles se exibem, nas festas folclóricas, de bombachas e chimarrão. O sorocabano Rafael Pinto Bandeira fundiu-se com o italiano Giuseppe Garibaldi, herói de dois mundos.

Situação diferente ocorre em São Paulo, onde o bandeirante é cada vez mais esquecido e desprestigiado. Podemos dizer que, em 1748, a proibição da caça ao índio, por dom João V, marcou o fim da história bandeirante e que a vinda do morgado de Mateus, em 1765, marcou o início da história paulista que se prolonga até hoje.

O avanço da pecuária para o oeste só se deu após a chegada do zebu, em 1900. Gado afeito ao calor e às epizootias tropicais, como a do carrapato, que obrigava os antigos a besuntar os bois de carro com azeite de mamona e a penteá-los, para limpar os carrapatos. O zebu abriu as invernadas do Brasil Central. Em 1950, no município de Morro Agudo (SP), por iniciativa de Sebastião de Almeida Prado, teve início o desmatamento mecânico do cerrado no Brasil, executado pelo Escritório de Técnica Agrícola (ETA), de Fernando Penteado Cardoso, João Lanari Duval e outros quatro agrônomos recém-formados na Esalq. Com a mecanização se expandiu o uso do calcário, o plantio do arroz de sequeiro, da soja e das braquiárias pelo Brasil Central. O calcário, a soja, as brachiárias e o buldôzer levaram a prosperidade às terras de campo e cerrado.

Porém chegamos tarde aos paralelos amazônicos e hoje somos criticados por isso. Segundo o ecologista Evaristo Eduardo Miranda, autor do livro ¨Quando o Amazonas Corria para o Pacífico¨, na época do Descobrimento o Brasil detinha 10% das florestas do mundo e hoje detém cerca de 28% delas porque os outros países derrubaram as suas florestas há muito tempo e nós, não. Como participante do desbravamento dos sertões, ao longo de 60 anos, não defendo o desmatamento desordenado, mas guardo em mim o sentimento de esperança e de futuro que a abertura de novas áreas para a atividade econômica despertava nas pessoas. Os desbravadores do Oeste Paulista, do Norte do Paraná, de Mato Grosso, de Goiás, deste mundão de Brasil, em que as fazendas e as cidades pipocavam, provocavam a alegria e o entusiasmo de um País novo que se fazia. Sentimento sintetizado por Monteiro Lobato no Drama da Geada, publicado pelo Estado em 1918, quando evocou “o prazer paulista de tirar uma fazenda do nada”. Sem o desmatamento essas regiões não existiriam, nem o Brasil existiria com a grandeza que tem. Continuaria “um pequeno país com a responsabilidade de um grande território”, como disse Joaquim Nabuco.

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*Eduardo Diniz Junqueira é fazendeiro e escritor

  

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