MP que regulariza áreas na Amazônia Legal é plágio 27/03/2008
- Blog de Josias de Souza - Folha Online
Alheio à gritaria que ecoa no Congresso, Lula apôs a assinatura numa nova medida provisória. Trata da regularização de terras na Amazônia. Editada há três dias, foi publicada no Diário Oficial desta quarta-feira (26). A providência eletrificou os subterrâneos do Legislativo.
Um detalhe contribuiu para intoxicar ainda mais a atmosfera: a nova medida provisória de Lula é cópia de um projeto de lei que já tramita na Câmara. O autor é o deputado governista Asdrúbal Bentes (PMDB-PA).
Informado acerca do plágio, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), enviou um emissário ao colega do Senado. Mandou dizer a Garibaldi Alves (PMDB-RN) que, se ele decidisse devolver a nova MP ao Planalto, teria o seu apoio.
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Além de presidente do Senado, Garibaldi preside o Congresso. Formalmente, caberia a ele a adoção da providência extrema. O senador comandava a sessão no instante em que recebeu o pombo-correio do mandachuva da Câmara. Pediu a uma assessora que tocasse o telefone para Chinaglia, que, no outro extremo do prédio do Parlamento, também presidia uma sessão.
Garibaldi perguntou ao colega se já havia consultado a assessoria jurídica da Câmara. Chinaglia disse que não. Mas revelou a intenção de fazê-lo. Ficaram de voltar a conversar sobre o assunto.
O diálogo telefônico ocorreu justamente no momento em que os plenários da Câmara e do Senado, sob o comando de Chinaglia e Garibaldi, tentavam votar, sob cerrada obstrução das legendas oposicionistas, um lote de medidas provisórias que atravancam a pauta do Legislativo.
Na Câmara, em sessão que se arrastou das 16h até a meia-noite, votou-se uma única MP. No Senado, nem isso. O governo não conseguiu arrastar para o plenário número suficiente de aliados. Sem quórum, a sessão caiu.
Ainda na cadeira de presidente, num patamar elevado do plenário do Senado, Garibaldi consultou uma assessora acerca da viabilidade da devolução da nova medida provisória. Foi informado de que há um escasso precedente. Deu-se quando o inquilino do Planalto era José Sarney, hoje senador pelo PMDB do Amapá.
Garibaldi serviu-se dos conhecimentos jurídicos de um senador que se encontrava do seu lado. Perguntou a opinião de Demóstenes Torres (DEM-GO), promotor de Justiça licenciado. O colega disse que a devolução não seria providência comezinha, já que a medida provisória, depois de editada, tem força de lei. Mas ressalvou: “Há precedente.”
Arthur Virgílio (AM) e Agripino Maia (RN), líderes dos oposicionistas DEM e PSDB, foram informados sobre as maquinações que freqüentam as mentes de Chinaglia e Garibaldi, ambos abespinhados com a ¨ousadia¨ de Lula. Na oposição, há uma discreta torcida para que o presidente do Senado, cuja liderança é considerada tíbia, se anime a confrontar o Planalto com um que foi definido por um senador como “ato de legítima defesa do Congresso.”
Na Câmara, a encrenca da nova medida provisória de Lula chegou aos microfones. Ex-ministro do Desenvolvimento Agrário de FHC, o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), deu-se ao trabalho de comparar os textos da MP e do projeto de lei do deputado Asdrubal Bentes. “Presidente, é idêntico”, disse Jungmann a um Chinaglia de cenho crispado. “Chegamos a um limite. Não dá para aceitar”, Jungmann acrescentou.
Presente à sessão, o próprio Asdrúbal Bentes ratificou as palavras de Jungmann. Seu projeto tramita na Câmara desde 24 de outubro de 2007. Propõe a dispensa de licitação na venda de propriedades rurais amazônicas com até 15 “módulos fiscais” –dependendo do município, um módulo fiscal pode variar de 10 a 100 hectares. É precisamente o que propõe a medida provisória editada por Lula, sem tirar nem pôr.
No Planalto, ao acomodar o jamegão na nova MP, Lula alegara que o fazia a pedido de deputados e senadores do consórcio governista. Uma alegação que é confirmada pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).
Um deputado sugeriu a Chinaglia que o plágio só poderia ser admitido se tivesse a concordância do autor. Assentimento que, a julgar pela irritação de Asdrubal Bentes, não existiu. Para Chinaglia, ainda que estivesse escorada em autorização prévia do deputado, a medida provisória não seria admissível: “A partir do momento que um projeto de lei é recepcionado pela Casa, não pertence mais ao deputado Asdrubal Bentes. É um projeto da Casa. Pertence a todos”, disse ele, ao microfone.
Resta agora saber se Chinaglia -– aliado de Lula e filiado ao mesmo partido do presidente da República -— e Garibaldi -– um comandante do Senado que é visto pelos próprios pares como claudicante -— terão peito para confrontar o governo com a inusitada devolução de uma medida provisória. Um gesto que emprestaria à confusão das MPs ares de crise institucional.