Paraguai, uma nova Bolívia? 08/04/2008
- Rubens Barbosa*
No dia 20, os paraguaios elegerão um novo presidente. Na campanha eleitoral tem prevalecido, em maior ou menor grau, um sentimento antibrasileiro, externado em dois aspectos: revisão do Tratado de Itaipu e ameaça aos cerca de 300 mil agricultores brasileiros que vivem no Paraguai.
Disputam a eleição o ex-bispo Fernando Lugo, com o apoio de uma coalizão de movimentos sociais e partidos de esquerda, Lino Oviedo, general aposentado, e Blanca Ovelar, do Partido Colorado, apoiada pelo atual presidente, Nicanor Duarte.
Fernando Lugo foi recebido pelo presidente Lula na semana passada. Segundo o candidato paraguaio, o governo brasileiro estaria aberto a rediscutir Itaipu, afirmativa desmentida pelo Palácio do Planalto. Apesar da negativa, porta-vozes dizem que não há agenda proibida, o que configura um gesto inédito de abertura para a solicitação paraguaia.
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O PT e o governador Requião apóiam a candidatura de Lugo, que está à frente de quase todas as (nem sempre confiáveis) pesquisas de opinião pública.
A renegociação do Tratado de Itaipu com o Brasil tem sido um dos principais temas da campanha eleitoral. Dos três candidatos, Lugo tem sido o mais agressivo no tocante à defesa da ´soberania energética´, palavra de ordem para a tentativa de aumento significativo do preço pago pelo Brasil pela compra da energia gerada pela Hidrelétrica de Itaipu e que não é consumida pelo Paraguai e da venda dessa energia a terceiros países.
O tratado define as regras de utilização da usina, a remuneração da energia produzida, sua operação e utilização. Assinado em 1973, o documento tem prazo de validade de 50 anos, ou seja, só poderá ser renegociado em 2023.
A pregação de Lugo é repercutida diariamente pelos jornais de Assunção e encontra apoio na Argentina, no Uruguai e, recentemente, até no Chile, onde Ricardo Lagos disse ter o Paraguai direito a essa reivindicação.
A demanda paraguaia deve ser vista dentro de um contexto mais amplo. Fernando Lugo deveria ser lembrado de que no início da década de 1970:
O governo brasileiro captou vultosos recursos (mais de US$ 12 bilhões) necessários para a construção da usina.
a Ande, a Eletrobrás paraguaia, só se tornou sócia no empreendimento porque o Banco do Brasil lhe financiou os US$ 50 milhões para o aporte nos US$ 100 milhões do capital inicial;
quando as primeiras máquinas de Itaipu começaram a gerar, não havia mercado para a energia produzida;
por isso, e compulsoriamente, como previa e prevê o tratado, as empresas distribuidoras brasileiras foram obrigadas a adquiri-la;
a energia cara resultou na inadimplência dessas distribuidoras, que, ao não mais poderem pagar à Itaipu, tornaram a binacional também inadimplente, com a amortização dos financiamentos externos, garantidos pelo Tesouro brasileiro, sem ônus para o similar paraguaio. Essa dívida, renegociada em 1996, só será zerada em 2023.
O Paraguai, pelo tratado, tem direito a 50% da energia gerada por Itaipu, mas sua economia só absorve 10% desses 50%. O restante o Brasil compra para seu próprio consumo. Hoje, quase 20% da energia consumida pelo Sudeste brasileiro (São Paulo e Rio de Janeiro) vem de Itaipu, sem que haja alternativas, ao menos a curto prazo, para esse panorama se modificar.
Lugo alega que essa energia absorvida pelo Brasil custa cerca de US$ 2,75 o MWh e quer multiplicar o preço por oito. Esse não é um preço de mercado, corresponde apenas à compensação adicional que o Brasil paga ao Paraguai e que deve ser acrescido de todos os demais custos que o Brasil assume em conseqüência das obrigações previstas no tratado. O custo verdadeiro deveria levar em conta os dados financeiros da empresa.
Em 2007, a receita operacional de Itaipu foi composta por US$ 3,042 bilhões da Eletrobrás (95,23%) e apenas US$ 145,1milhões da Ande (4,77%). Esse é o valor monetário da energia consumida por cada um dos dois países.
O Brasil transferiu em 2007, por força do tratado, diretamente ao governo do Paraguai ou para honrar os compromissos financeiros daquele país na Itaipu Binacional cerca de US$ 1,5 bilhão, que corresponde ao pagamento de US$ 41,32/MWh pela ´energia paraguaia´ utilizada, ou 14,86 vezes mais do que Lugo alega que está sendo pago.
Os consumidores brasileiros ainda pagam em suas tarifas de luz cerca de US$ 200 milhões ao ano a título de royalties ao Paraguai.
Os royalties pagos por usinas brasileiras - que no Brasil são denominados ´compensação financeira´ - representam valores bem menores do que os royalties de Itaipu, evidenciando um custo abusivo dos royalties da binacional (de 2,5 a 4,1 vezes superiores aos pagos pelas usinas brasileiras).
Cedendo à pressão do governo paraguaio, o governo Lula aumentou de 4 para 5,1 o multiplicador de cálculo de energia comprada pelo Brasil, o que representou despesas adicionais para o Tesouro de mais US$ 20 milhões/ano.
O governo Lula tem afirmado que não aceitará nenhuma modificação no Tratado de Itaipu e que vai manter a mesma linha adotada até aqui com o governo do presidente Nicanor Duarte.
Dada a ambigüidade de algumas declarações feitas por porta-vozes do Planalto depois da visita de Lugo, é necessário que o Brasil se posicione de forma clara diante do Paraguai para evitar o que ocorreu com a Bolívia. Espera-se que não haja confusão entre os interesses ideológicos do PT e a atitude do governo de Brasília.
A energia de Itaipu é uma questão de segurança nacional e não admite tergiversação. Esperamos que os interesses maiores do Brasil sejam defendidos de maneira realmente efetiva, e não com a falta de vigor com que foram tratados os problemas da Petrobrás no tocante à nacionalização das refinarias e ao aumento do preço do gás na Bolívia.
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*Rubens Barbosa, consultor de negócios, é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp