Pensilvânia pode decidir corrida democrata nos EUA, diz analista 08/04/2008
- Ébano Piacentini - Folha Online
O pré-candidato à Presidência dos EUA Barack Obama será o candidato democrata à Casa Branca caso vença as primárias na Pensilvânia, marcadas para o próximo dia 22. Ainda que sua rival, Hillary Clinton, ganhe as demais votações, ela terá chances remotas de ser a indicada para enfrentar o candidato republicano John McCain. A opinião é de Alexander Kayssar, professor de História e Política Social da Universidade de Harvard (EUA).
¨Se Obama vencer as primárias da Pensilvânia a corrida acaba, ele será o candidato democrata. Mas ainda não há um movimento claro entre os superdelegados. Há, sim, muita gente no Partido Democrata pensando que Hillary não pode mais vencer. E, se ela for a nomeada dos democratas no quadro atual, [Obama com mais delegados] os apoiadores do senador ficariam tão descontentes que muitos nem votariam. Há um sentimento pró-Obama entre os líderes do partido, mas eles aguardam o momento certo para se articularem e anunciarem sua decisão¨, afirmou Kayssar em entrevista dada por telefone à Folha Online.
Especialista em história da democracia e das reformas eleitorais, Keyssar é autor de ¨O direito de votar: a controversa história da democracia nos Estados Unidos¨, finalista do Prêmio Pulitzer e eleito o melhor livro dos EUA pela Associação Americana de História.
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Na entrevista, o estudioso aborda ainda a questão racial, amplamente discutida durante a corrida. Para ele, a presença de Obama na disputa ¨criou uma possibilidade de se discutir questões raciais de forma inédita desde 1968 ou 1964, com Lyndon Johnson [então presidente]¨. ¨Não se trata apenas de seu famoso [discurso sobre a questão racial, há um diálogo acontecendo, uma discussão pública sobre raça diferente e nova. Em 1968, Bobby [Robert] Kennedy, especialmente após o assassinato de Martin Luther King, era visto como um candidato que tinha muito apelo emocional ente os afro-americanos, porque falava sobre raça. A questão racial é muito importante em todas as eleições americanas, mas não se fala sobre o assunto¨.
O professor também opina sobre a participação da mídia na disputa eleitoral. ¨Nas eleições de 2000, ela [a mídia] não foi longe o suficiente para enxergar que Bush seria um conservador compulsivo, e noticiou que ele seria um centrista. Em 2004, em tudo que envolveu a Guerra do Iraque, a mídia teve uma posição patriótica e demorou muito tempo para que os jornalistas começassem a questionar seriamente o que a administração Bush estava fazendo no Iraque. Neste sentido a mídia ajudou Bush a ser reeleito em 2004¨, diz.
Leia a seguir a íntegra da entrevista concedida à Folha Online:
Hillary Clinton tem chances de vencer Barack Obama?
- Dificilmente. Hillary teria de ganhar nas próximas três principais primárias --Pensilvânia (22/4), Indiana e Carolina do Norte (6/5) e Virgínia Ocidental (13/5)-- por uma margem de pontos muito grande. Com isso, ela teria um argumentos junto aos superdelegados de que é a candidata mais forte. Essa seria a única forma de ela ser a indicada do Partido Democrata. Mesmo assim, talvez poderia não funcionar. Ela poderia vencer por uma diferença de dez pontos percentuais nas primárias que restam, e mesmo assim, não ser suficiente. A estratégia dela é esperar para ver se Obama comete algum erro, se aparece algo novo que o atinja e, como conseqüência, dê a ela a nomeação democrata. Ela está jogando com o foco em pequenos ganhos. Mas os ganhos não são inexpressivos.
Muitos senadores e deputados democratas estão anunciando apoio a Obama. Comenta-se que eles aguardavam uma definição, mas, com receio de haver divisão no partido, estão tomando sua decisão desde já. O senhor vê isso ocorrendo ou é especulação?
- A mídia está especulando sobre cada pequeno detalhe. Estes representantes eleitos [senadores e deputados] são todos superdelegados e irão votar. Eu acho que, no final, eles irão votar em Obama, mas irão esperar as outras primárias. Não haverá uma grande corrida para o lado de Obama antes das primárias da Pensilvânia. Se Obama vencer as primárias da Pensilvânia a corrida acaba, ele será o candidato democrata. Mas não há um movimento claro ainda entre os superdelegados. Há, sim, muita gente no Partido Democrata pensando que Hillary não pode mais vencer. E, se ela for a nomeada dos democratas no quadro atual, [Obama com mais delegados] os apoiadores do senador ficariam tão descontentes que nem votariam. Há um sentimento pró-Obama entre os líderes do partido, mas eles aguardam o momento certo para se articularem e anunciarem sua decisão.
Poderia ser depois da votação na Pensilvânia...
- Pode ser depois da Pensilvânia ou de alguma outra primária. Eles estão cautelosos, porque é mais conveniente manter o silêncio agora. Muitas dessas pessoas têm relações políticas antigas com os Clinton. Por isso a declaração de voto dos superdelegados não vai ocorrer nas próximas duas semanas.
A maioria dos superdelegados são tradicionalmente ligados aos Clinton [Bill e Hillary]. Se Obama continuar com mais votos populares e delegados regulares, é natural que os superdelegados mudem de lado e apóiem o senador por Illinois?
- É uma situação diferente, pois não há uma experiência precedente nesta direção. Os superdelegados nunca fizeram a diferença em eleições presidenciais. Em geral, quando se aproxima a Convenção Democrata, um candidato tem a liderança clara. Quando a corrida começou, Hillary tinha muito mais superdelegados que qualquer outro pré-candidato. Agora o cenário é outro, e eles estão aguardando o momento certo para anunciarem seu voto.
Você escreveu em 2000 ¨O direito de votar: a controversa história da democracia nos Estados Unidos¨, um livro de muito prestígio, antes destas eleições...
- Sim. Agora estou trabalhando em uma nova edição.
O seu livro trata, entre outras coisas, da diminuição do interesse do eleitorado dos EUA em votar. Para o senhor, o atual quadro é algo novo na democracia americana?
- A situação atual é obviamente nova, no sentido de que os democratas irão escolher um negro ou uma mulher. Se Obama for o indicado, irá mobilizar a população negra de uma forma jamais vista. Em alguns pontos, a campanha democrata se parece com a campanha de 1968. Naquelas eleições Eugene McCarthy começou a concorrer com Lyndon Johnson e depois Robert ¨Bobby¨ Kennedy entrou na disputa [os três disputavam a indicação do Partido Democrata], e foi assassinado. Os democratas acabaram nomeando Hubert Humphrey [vice-presidente de Lyndon Johnson na Presidência 1963-1969], mais do que Hillary Clinton o candidato da situação no partido. E, no final, Nixon venceu. Então se no final McCain vencer, o processo até a eleição não parecerá tão novo, é um pouco cedo para dizer. Mas o nível de energia dentro do partido democrata é extraordinário e a quantidade de reviravoltas nas primárias é excepcionalmente alta. As mudanças repentinas nas eleições gerais também serão altas. Em parte porque os candidatos são muito diferentes um do outro e porque estamos falando de uma situação nos EUA que é bastante séria. Nós temos uma guerra [Iraque] com a qual não sabemos o que fazer e temos uma economia entrando em colapso.
Já se pode ver claramente entre as pessoas e nas ruas os efeitos práticos da crise econômica?
- Em Cambridge e Massachussets, a principal atividade econômica gira em torno da educação. Nem Harvard nem o MIT [Instituto de Tecnologia de Massachussets] estão com problemas, nós somos ¨à prova de recessão¨ de uma certa forma. O que ocorre é que as lojas fecham e nada aparece em seu lugar, e em vários bairros se vê casas e condomínios à venda há um ano ou mais sem compradores. Isto é muito diferente da dinâmica de dois anos atrás. Além disso, ao conversar com as pessoas, todas dizem que os negócios estão fracos.
Fale mais sobre seu livro e a situação do sistema democrático dos EUA.
- Um argumento do livro é que há muitos altos e baixos na vitalidade da democracia, na proteção das instituições democráticas e do direito de votar [dos EUA]. O que nós estamos vendo agora é algo mais expansivo [em termos de votação]. Mas, nas entrelinhas, por trás dos panos há fenômenos que poucas pessoas estão vendo. Há uma briga legal ocorre agora, e pode ser bastante importante nas eleições em novembro. Está sendo discutido na Suprema Corte se os Estados podem exigir ou não que os eleitores apresentem documentos de identidade com foto para terem seus votos contabilizados. No Brasil isto é normal [é preciso documento com foto para votar], mas aqui é uma grande discussão, e se a Suprema Corte decidir que os Estados podem fazer tal exigência, isso pode representar uma diferença de 5% ou 10% em novembro, especialmente nos votos de pessoas idosas, minorias, alguns jovens e pessoas pobres que não possuem carteiras de motorista [nos EUA não existe carteira de identidade semelhante à do Brasil]. Tal percentual pode fazer a diferença em muitos Estados. Então, por trás das câmeras, há este conflito sobre o direito de votar, que talvez se torne um dilema em outubro ou novembro.
Nas eleições presidenciais em 2000, George W. Bush venceu, apesar de ter menos votos populares que Al Gore, o que gerou uma discussão sobre a legitimidade do sistema democrático americano. A ¨vitalidade¨ das eleições em curso mostra de alguma forma que o sistema democrático dos EUA é íntegro e funciona?
- Eu acho que o que está mostrando é que há muita vitalidade nas eleições, candidatos interessantes e que as pessoas estão votando em peso. Mas muitos no Partido Democrata estão cansados do sistema de primárias, que agora está levando muito tempo, e é absurdamente caro. O sistema democrático não funciona em parte por causa das formas de financiamento. Em termos de como o sistema vai afetar as eleições gerais, a decisão final é dada pela nossa peculiar estrutura chamada ¨colégio eleitoral¨, em que um candidato como Al Gore pode ter mais votos e perder as eleições. E isto ainda é assim. A situação não mostra que o sistema democrático dos EUA funciona. Mostra que as primárias podem mobilizar muitas pessoas para votar se há bons candidatos em uma disputa acirrada.
Analistas e blogueiros dizem que os veículos de comunicação americanos tem ¨uma queda por Obama¨, talvez por seu carisma ou por sua popularidade entre os jovens. A mídia tem participação no jogo democrático ou reflete apenas o que a população pensa?
- A mídia tem suas regras próprias. Nas eleições de 2000, ela não foi longe o suficiente para enxergar que Bush seria um conservador compulsivo, e noticiou que ele seria um centrista. Em 2004, em tudo que envolveu a Guerra do Iraque, a mídia teve uma posição patriótica e demorou muito tempo para que os jornalistas começassem a questionar seriamente o que a administração Bush estava fazendo no Iraque. Neste sentido a mídia ajudou Bush a ser reeleito em 2004.
Como ocorreu isso? Na época o governo que elevou o grau de alerta de possíveis ataques de armas de destruição em massa...
- Sim. A mídia acreditou que havia armas de destruição em massa. Ela não fez a investigação necessária para descobrir ou desmentir quais eram as fontes para estas informações. A mídia basicamente ecoou o que o governo estava dizendo ao invés de ser crítica. Nas atuais eleições, é verdade que ela tem sido generosa com Obama e também com McCain. Mas está bastante dividida ideologicamente. Há uma imprensa liberal democrata como o ¨The New York Times¨ e outros jornais que irão claramente apoiar os democratas independentemente do candidato escolhido, e que tem sido mais generosa com Obama do que com Hillary. Por outro lado se começa a ver algumas televisões conservadoras como a Fox News atacando Obama e isso deve continuar.
O que você vê como algo específico e relevante nesta eleição?
- Há três coisas que eu destacaria. Primeiro, em termos do Partido Democrata, é notável a extrema paixão e antagonismo entre os campos da Hillary e do Obama, o que é motivado inteiramente pela personalidade dos candidatos. Em assuntos substanciais, no entanto, suas posições são virtualmente idênticas. Em 99% dos casos suas visões se sobrepõem. Em segundo lugar, destaca-se a presença de Obama, que criou uma possibilidade de se discutir questões raciais de uma forma inédita desde 1968 ou 1964, com Lyndon Johnson [então presidente]. Não se trata apenas de seu famoso discurso sobre a questão racial, há um diálogo acontecendo, uma discussão pública sobre raça diferente e nova. Em 1968, Bobby [Robert] Kennedy, especialmente após o assassinato de Martin Luther King, era visto como um candidato que tinha muito apelo emocional ente os afro-americanos, porque falava sobre raça. A questão racial é incrivelmente importante nas eleições americanas, mas não se fala sobre o assunto.
Mas a discussão está sendo produtiva?
- Este é o terceiro ponto. Está sendo em alguns locais. Mas a outra grande questão, olhando para frente nesta eleição, e assumindo que Obama será o candidato, é que nós não sabemos ainda como isso vai se configurar em todo o país, nas partes que não estão recebendo atenção agora, no voto dos brancos. Se ele for o indicado, teremos uma eleição sem que um dos assuntos chave nas entrelinhas, que será a questão racial, possa ser mensurado. É algo com o que não teremos uma pesquisa confiável a respeito. Porque quando se fizerem as pesquisas, não se poderá perguntar ou receber respostas honestas à pergunta: ¨Você vai votar contra o Obama porque ele é negro?¨ Haverá este ponto de interrogação até o dia da eleição em novembro.
Quem o senhor acha que vai vencer as eleições?
- Eu acredito que Obama será o candidato democrata. As verbas irão fazer a diferença, e, neste momento, eu daria uma pequena vantagem ao McCain na corrida.