Etanol - reagindo ao tiroteio global 18/04/2008
- Marcos Sawaya Jank*
O Brasil está começando a colher a maior safra de cana-de-açúcar da sua história. Os preços do etanol e do açúcar se encontram em níveis bastante baixos - 85% do etanol brasileiro é consumido no mercado interno, principalmente pelos veículos flex, que já respondem por 90% das vendas de carros novos. Os benefícios do crescimento do setor são inquestionáveis: geração de 1 milhão de empregos, investimentos de US$ 30 bilhões até 2012, perspectivas de co-gerar o equivalente a uma Itaipu e meia em bioeletricidade a partir do bagaço e da palha disponíveis e movimentação de uma pujante indústria nacional de máquinas e equipamentos.
Comparado com a gasolina, o etanol reduz em mais de 80% a emissão de gases de efeito estufa. Trata-se da mais bem-sucedida experiência comercial em combustíveis para mitigar o problema do aquecimento global. Novos usos do etanol surgem no horizonte de curto prazo (motos, ônibus, aviões) e longo prazo (bioplásticos, gaseificação da biomassa, biogasolina). Com apenas 1% de área agricultável do País, o etanol substituiu 50% das necessidades brasileiras de combustíveis para veículos leves, superando o consumo de gasolina!
Só que de um ano para cá o etanol vive sob intenso ataque, por conta da decisão dos países ricos de substituir uma pequena parte do seu petróleo por biocombustíveis. Os EUA aprovaram uma lei que prevê a substituição de 15% da gasolina por etanol (136 bilhões de litros em 2022, mais de seis vezes a atual produção brasileira). A Comissão Européia propõe substituir 10% dos seus combustíveis fósseis por renováveis. Eles pretendem fazer isso com milho (EUA), trigo e beterraba (União Européia) e celulose (ambos). Poderosos interesses vêm sendo afetados por essa decisão, principalmente nas indústrias alimentícias e do petróleo, e se multiplicam acusações levianas e trabalhos sem base científica.
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Acusam-se os biocombustíveis de aumentar o preço dos alimentos, esquecendo os impactos do rápido crescimento da renda per capita nos países emergentes e do aumento do petróleo nos custos agrícolas. Renascem previsões neomalthusianas que antevêem a falta de alimentos, inflação e fome. Se o mundo rico abrisse espaço para plantas tropicais energética e ambientalmente mais eficientes, como a cana-de-açúcar, em vez de subsidiar matérias-primas nobres, como milho e canola, os impactos sobre os alimentos seriam irrelevantes. O exemplo brasileiro prova que com as tecnologias hoje disponíveis mais de uma centena de países tropicais poderiam produzir biocombustíveis de forma eficiente e sustentável, sem afetar a produção de alimentos, bebidas, rações e fibras.
Acontece que as previsões catastrofistas feitas pelo economista Thomas Malthus em 1800 subestimaram o poder do progresso tecnológico, que permitiu que hoje se utilize apenas 1 hectare para alimentar cada habitante em zona urbana, ante 3,5 hectares no início dos anos 1960. O problema da fome no mundo não vem da falta de alimentos, mas, sim, da falta de renda. Erram grosseiramente aqueles que, ignorando a tecnologia, afirmam que os alimentos terão os seus preços continuamente elevados na mesma proporção do petróleo. Se este último é cada vez mais escasso e caro, as commodities agrícolas são por natureza renováveis e dispõem de novas fronteiras tecnológicas - como a engenharia genética - que permitirão novos saltos de produtividade e redução dos seus preços reais. Novas tecnologias em desenvolvimento nos laboratórios permitirão duplicar a produção de energia por hectare no Brasil. O etanol de cana saiu de 3 mil litros por hectare nos anos 70 (produtividade atual do milho americano) para os atuais 7 mil litros por hectare. Em dez anos vamos atingir pelo menos 12 mil litros por hectare ou exportar dez vezes mais energia para o sistema elétrico, com o aproveitamento da biomassa da cana.
Acusa-se o etanol brasileiro de estar contribuindo para o desmatamento da floresta amazônica, ignorando que a expansão da cana ocorre basicamente em áreas de pastagens do Centro-Sul, a milhares de quilômetros da floresta, como mostram claramente os levantamentos por satélite. O vetor dinâmico tem sido o aumento da produtividade, e não da área plantada. A reserva de 200 milhões de hectares de pastagens permite desenvolver um sistema integrado lavoura-pecuária, diversificado e de alta produtividade, sem precisar invadir biomas sensíveis como a Amazônia e o Pantanal. A União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica)está disposta a assumir esse compromisso com a sociedade, assim como o fez ao antecipar voluntariamente, em sete anos, o fim das queimadas de cana em São Paulo. Este ano mais da metade da colheita da cana do Estado já será mecanizada.
Na área trabalhista, a Unica está discutindo diversas ações com os trabalhadores e o governo visando a melhorar as condições do trabalho e a requalificação de trabalhadores. Estamos estudando a criação de selos de boas práticas trabalhistas que irão reconhecer as empresas que praticam ações acima do que prevê a legislação.
Não quero aqui ¨vitimizar¨ o setor pelas pressões que o etanol vem sofrendo. Estamos avançando em protocolos e certificações nas áreas ambiental e social com os governos federal e estadual, importadores, ONGs e trabalhadores rurais. Estamos tentando nos comunicar melhor com a sociedade: abrimos escritórios nos EUA e na Europa, fizemos campanhas amplas de comunicação e recebemos centenas de visitantes dos quatro cantos do planeta. É fundamental que a comunidade científica desenvolva pesquisas sólidas sobre o agronegócio da cana e divulgue os seus resultados no exterior. É fundamental que o governo aja de forma coerente com o seu discurso. Organização, diálogo, compromisso e comunicação são as palavras-chave para podermos avançar no nosso projeto pioneiro de energia limpa, renovável e sustentável, hoje global.
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Marcos Sawaya Jank é presidente da Unica. Site: www.unica.com.br