Futuro do programa do álcool 21/04/2008
- José Goldemberg*
O álcool produzido a partir da cana-de-açúcar, no Brasil, do milho, nos Estados Unidos, e da beterraba, na Europa, equivale hoje a menos de 1% da quantidade do petróleo usado no mundo. É um excelente substituto da gasolina, que não tem as impurezas que ela tem, além de não contribuir para as emissões de gases que provocam o aquecimento global e as mudanças climáticas, como todos os combustíveis derivados do petróleo. A produção de álcool é de cerca de 600 mil barris por dia, que é a produção de um campo de petróleo de proporções médias, como há muitos no mundo.
O uso do álcool não deveria, portanto, ser visto como uma ameaça aos grandes produtores de petróleo, mas esta não é a forma como ele tem sido considerado pelas grandes companhias petrolíferas e, particularmente, pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Várias dessas empresas se opuseram e se opõem violentamente aos subsídios que o governo norte-americano dá aos produtores de etanol de milho nos Estados Unidos e tentaram - sem sucesso, contudo - impedir que esses subsídios fossem renovados na nova lei sobre energia adotada naquele país. Se os objetivos dessa lei forem atingidos até 2022, o etanol substituirá cerca de 21% da gasolina usada nos Estados Unidos e boa parte do milho produzido, dependendo de avanços tecnológicos, que ainda são incertos.
Existe uma certa lógica nas preocupações dos produtores de petróleo e a principal delas é a existência de um equilíbrio muito delicado entre a capacidade de produção e o seu consumo. A produção média é de cerca de 85 milhões de barris por dia, que são integralmente consumidos. Pequenas flutuações na produção (para cima ou para baixo) e no consumo (também para cima ou para baixo) determinam o preço do petróleo, que já ultrapassou os US$ 100 por barril. Basta uma tempestade no Golfo do México, um inverno mais rigoroso na Europa ou a crescente motorização dos chineses para elevar o seu preço.
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Para complicar as coisas, a capacidade de refino existente não tem praticamente nenhuma ociosidade, de modo que, se ocorrer um aumento na demanda de um dos seus produtos - seja óleo diesel, óleo combustível ou gasolina -, aumenta mais ainda o preço do petróleo ou de seus derivados.
A situação que o mundo enfrenta hoje é diferente da que originou a crise de petróleo da década de 1970, quando a Opep decidiu reduzir a sua produção por motivos inteiramente políticos, lançando o preço dele às alturas. Não havia falta de petróleo na ocasião, mas os produtores decidiram reduzir a sua produção. Hoje, a crise não é política, mas real, no sentido de que a capacidade de produção está no limite e as forças de mercado, isto é, o equilíbrio entre oferta e demanda, determinam o preço do petróleo. Além da especulação que existe nas bolsas mundiais, onde o produto é negociado. Acredita-se que 20% do preço do petróleo se deva a esse fato. Basta a Arábia Saudita, que produz cerca de 12 milhões de barris por dia (15% do total), diminuir a sua produção em 1 milhão de barris para criar pânico nos mercados mundiais.
Esta é a razão por que o etanol começa a ameaçar o mercado do petróleo: quando a sua produção aumentar duas ou três vezes em relação à atual, o etanol poderá atuar como o fiel da balança que determinará o preço da gasolina no mundo - como a Arábia Saudita faz hoje com o petróleo.
A probabilidade de que isso venha a se concretizar nos próximos 10 ou 15 anos é grande, considerando os programas em andamento nos Estados Unidos e no Brasil. Os países da Europa também produzem etanol, mas em quantidades pequenas, que, provavelmente, não aumentarão muito, por causa da falta de área agriculturável. Nos Estados Unidos, o agressivo programa do presidente George W. Bush de estímulo à produção de álcool de milho deverá triplicar a sua produção nos próximos anos - e o mesmo deverá ocorrer no Brasil, onde o álcool de cana-de-açúcar já é economicamente competitivo.
A produção atual de etanol utiliza cerca de 10 milhões de hectares da área dedicada à agricultura no mundo - a área total, no planeta, de terras agriculturáveis é mais de cem vezes maior, destinada às plantações de trigo, soja, milho, café e outros alimentos.
É o caso de perguntar, portanto, se duplicar ou triplicar a área destinada à produção de álcool (a partir da cana-de-açúcar ou do milho) não vai afetar seriamente o preço mundial dos produtos agrícolas. De fato, esses preços têm subido, mas contribui muito para tal o consumo crescente de grãos pelos países emergentes, principalmente pela China. Esse país importa hoje cinco vezes mais grãos dos Estados Unidos do que há dez anos. É por isso que surgiram problemas com o milho nos Estados Unidos, que avançou consideravelmente na área plantada de soja em 2007.
A solução natural para esse problema está em aumentar a produção de etanol, principalmente da cana-de-açúcar, nos países em desenvolvimento. Algo similar aconteceu há 2 mil anos, quando o trigo, indispensável para alimentar a população de Roma e suas legiões, não era produzido na Itália, mas no Norte da África. É nesses países que a expansão da produção agrícola pode ocorrer, o que abre grandes oportunidades para o Brasil. Na Índia e na China não existem grandes áreas para expandir a agricultura.
A médio e a longo prazos, haverá aumentos de produtividade, isto é, mais etanol será produzido por hectare. E há também grandes esperanças no desenvolvimento de novas tecnologias baseadas no uso de celulose, que qualquer produto vegetal tem. Enquanto essas expectativas não se concretizarem, o etanol da cana-de-açúcar e do milho dominará o mercado.
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José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo (USP)