O presidente Lugo e a guerra do Paraguai 24/04/2008
- Argemiro Ferreira
Na quarta-feira o colunista Elio Gaspari fez na página de opinião de ¨O Globo¨ esta afirmação sensata: ¨O que menos importa na eleição de Fernando Lugo para a presidência do Paraguai é o seu interesse em renegociar o tratado de Itaipu. Mesmo que por algumas semanas esse tema seja transformado num circo ele amadurecerá num nível em que se juntam presidentes, diplomatas e técnicos¨.
O problema é que o próprio ¨O Globo¨ está há muito dedicado ao circo - desde antes da eleição do Paraguai. Como não conseguiu a guerra com a Bolívia, quem sabe desta vez, botando ainda mais lenha na fogueira, provoque a do Paraguai. O jornal dos irmãos Marinho, com seus ¨generais de redação¨, nunca desiste, sempre aposta no retrocesso. Para isso recorre ainda ao bicho-papão Hugo Chávez.
O que falta, talvez, seja um Roberto Marinho para puxar a orelha dos ¨generais¨ e dizer a eles que o venezuelano Chávez não elegeu os Kirchner na Argentina, nem Morales na Bolívia, nem Correa no Equador, nem Tabarez Vasquez no Uruguai e nem Lugo no Paraguai. Apenas teve sensibilidade para perceber que o povo, em cada um desses países, queria mudança - e havia boas razões para isso.
PUBLICIDADE
Problemas que ajudamos a criar
De fato Roberto Marinho era apaixonado pelas ditaduras de Salazar e Franco, acreditou piamente na fantasia das ¨províncias portuguesas de ultra-mar¨ e repetiu à exaustão editoriais retrógrados em defesa do que não passava de relíquias obsoletas de um colonialismo intolerável. Mas apostaria, depois daquela lição, na promiscuidade Uribe-paramilitares-Bush como modelo para a América do Sul?
Até ¨O Globo¨ terá de admitir que não há outro caminho para o governo Lula além do reconhecimento da realidade. O gás da Bolívia e a energia de Itaipu não são problemas criados por Morales e Lugo. Ao contrário: os dois chegaram ao poder, ao menos em parte, por causa daquela realidade que ajudamos a criar - tão intolerável para bolivianos e paraguaios como o império colonial português para os africanos.
¨Generais de redação¨ culparão Chávez ou Fidel. Mas em mais de meio século de ditadura colorada, como lembrou Gaspari, 16 presidentes do Brasil ¨deram uma mãozinha aos colorados¨, cuja cleptocracia ¨se aninhou nas fímbrias de Itaipu, no contrabando de Ciudad del Este, nas lavanderias financeiras e na bandidagem da região da Tríplice Fronteira. Lamentavelmente, a cada malfeitoria de paraguaio corresponde outra, de brasileiro¨, às vezes com origem do lado de cá.
Acordos eleitorais criminosos
Enquanto isso acontece no sul do continente, na Colômbia está em apuros o herói dos ¨generais de redação¨ de ¨O Globo¨, presidente Álvaro Uribe. Foi afinal para a cadeia Mario Uribe, primo dele e aliado político íntimo, além de ex-presidente do Senado. A prisão foi ordenada pelo Procurador Geral devido a suas ligações com os grupos paramilitares ilegais, ligados ao narcotráfico.
Trata-se daquele mesmo escândalo iniciado em 2006, embora o presidente - que também nomeou para o comando do Exército um general (Mario Montoya) ligado aos paramilitares - não só tenha sobrevivido até agora, com o respaldo (e os bilhões de dólares em ajuda) do governo Bush, como parece convencido de que, a exemplo do peruano Alberto Fujimori, ainda terá seu terceiro mandato.
O primo do presidente tentou obter asilo na embaixada da Costa Rica - pedido rejeitado porque já havia ordem de prisão decretada pela Justiça. Ele tinha renunciado ao Senado há seis meses, para evitar o julgamento pela Suprema Corte do país. Entre outras coisas, será acusado de fazer acordos com paramilitares direitistas para expulsar milhares de camponeses de suas terras em Sucre e Antioquia.
Mario Uribe é acusado ainda de se reunir duas vezes com o líder paramilitar Salvatore Mancuso, com o qual fez acordos eleitorais no início de 2002, ano da primeira eleição do atual presidente. A operação desencadeada para prendê-lo, segundo jornal local, provocou uma tempestade política. A metade dos 62 parlamentares acusados na investigação do paraescândalo já está na prisão.
Aquelas ligações perigosas
O plano de anistia do presidente Uribe destinava-se apenas a beneficiar os chefes paramilitares. Tornou-se um complicador ao ser descoberto que pelo menos 35% do Congresso estava sob o controle daqueles mesmos grupos ilegais, acusados ainda de relações íntimas com narcotraficantes. Acredita-se que depois da reeleição de Uribe em 2006, aquela percentagem ampliou-se a mais de 35%.
Álvaro e Mario Uribe fazem política juntos há mais de 20 anos. O primo do presidente tinha papel central na base de apoio ao governo. Em parte por isso, já houve vários confrontos entre o Judiciário e o Executivo. Em setembro do ano passado, Uribe iniciou ainda um série de confrontos com o presidente da Suprema Corte, César Julio Valencia, por causa das investigações.
O envolvimento da família Uribe com paramilitares e narcotraficantes é denunciado há anos. Na década de 1980 o pai do atual presidente ligou-se com chefões dos cartéis de Medellin, em especial os Ochoa e Pablo Escobar. Virginia Vallejo, ex-amante de Escobar, disse no livro ¨Armando Pablo, odiando Escobar¨ que o pai de Uribe, como diretor da Aeronáutica Civil, assinara dezenas de licenças para favorecer aviões de narcotraficantes.