Entrevista na Globo foi pior para os acusados 25/04/2008
- Pedro do Coutto
Em sua coluna na ¨Folha de S. Paulo Ilustrada¨, edição de 23/04, Daniel Castro, crítico de TV, publica explicações que lhe foram enviadas pelo repórter Valmir Salaro, responsável aparente pela entrevista de Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá, acusados pelo hediondo assassinato da menina Isabella, que a Rede Globo colocou no ¨Fantástico¨ de domingo 20 de abril. Daniel Castro fizera restrições à entrevista, incluindo os entrevistados e o entrevistador.
O jornalista da FSP, a meu ver, tem razão. Valmir Salaro, na realidade, não foi um entrevistador. Foi o apresentador. Contido em si mesmo, para baixo, deixando pausas exageradas em meio a perguntas frias, sem qualquer tom vivo. Ao longo da peça de 40 minutos, limitou-se passivamente a aceitar todas as respostas sem qualquer reação de voz ou de fisionomia. Falou baixo, desculpando-se consigo mesmo por estar ali.
Francamente não sei se Salaro foi mesmo o responsável pelo cenário e se concordou com a edição de rotina, em matéria de imagem - ponto forte para o padrão Globo - a pior da história da emissora. Tenho dúvida, mas concluo não ter sido ele o autor. Com base em minha experiência, notei a presença de uma atmosfera de constrangimento impossível de disfarçar.
O que apareceu na tela, sem dúvida, piorou a situação dos acusados, ampliando a revolta da população. O apresentador estava gelado, sem emoção, os câmeras e a direção também, todos parecendo cumprir uma ordem remota. Tanto faz, no caso, se explícita ou implícita. A horrível entrevista, nesta hipótese, prejudica a Globo, mas livra o repórter, empregado da empresa.
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Pode ter sido ela resultado, como disse à ¨Folha de S. Paulo¨ o próprio Salaro, de uma negociação entre a emissora e aqueles a quem a polícia acusa talvez do crime individual mais terrível da história.
Não me refiro - claro - a entendimento publicitário, pois este seria absolutamente impensável e impossível sob todos os aspectos. Mas a um acordo, admitido igualmente por Salaro, para que os acusados falassem sobre a tragédia sem que fossem acossados pelas perguntas, não só as dele, mas de toda opinião pública através da voz do repórter. Provavelmente o casal, perdido no labirinto da existência humana, tenha feito esta exigência para dar sua versão. Porém, neste ponto, cabia à direção da Globo, e não a Salaro, recusar.
Afinal a busca de audiência não justifica a ruptura de limites éticos, como em certas ocasiões, a exemplo do que ocorreu com o SBT quando o apresentador Gugu Liberato colocou no ar ameaças forjadas atribuídas a criminosos contra a vida de repórteres. O SBT perdeu audiência e não conseguiu recompô-la até hoje.
A edição do ¨Fantástico¨ não foi uma farsa. Não foi mentirosa em si. Os personagens eram autênticos. Tanto assim que sua situação piorou. Entretanto o que a Rede Globo deveria ter exigido era algo muito simples: autenticidade no conteúdo. Não houve. Os acusados disseram o que quiseram e chegaram até a contestar provas de sangue encontradas pela polícia de São Paulo no rastro do crime. Não é esta a essência do jornalismo. Não é este nosso compromisso.
Se assim fosse, para que se entrevistar alguém? Bastaria colocá-lo na frente das câmeras e deixá-lo falar à vontade durante determinado tempo. O repórter dispunha de um arsenal de indagações. Teria que ter conhecimento, por exemplo, da matéria da revista ¨Veja¨, que circulou no sábado, acrescentando pontos cronológicos à seqüência sinistra.
Numa festa, Isabella, de acordo com a ¨Veja¨, foi ameaçada de punição quando chegasse em casa. Por que Salaro não fez esta pergunta? Inclusive na noite de sábado, o jornal da Band já havia focalizado o assunto, referindo-se ao que saiu na revista. O ¨Jornal nacional¨ da Globo, que sempre dá crédito ao que ¨Veja¨ publica, não abordou o que foi focalizado pela Band.
O jornalista Daniel Castro transcreve em sua coluna de 23 a defesa que recebeu de Salaro. Disse o repórter da Globo: Se você pegar a entrevista na íntegra verá que faço todas as perguntas que qualquer um gostaria de fazer. Eles negaram tudo. A polícia os interrogou durante 17 horas e conseguiu apenas contradições. Eu não sou um repórter justiceiro, não pratico este tipo de jornalismo. Se aquelas pessoas cometeram algum crime, não sou eu quem vai julgar - acrescentou. Argumento vazio. Repórter não é juiz ou jurado.
As palavras, como dizia o mestre Antonio Houaiss, e acentuo eu, têm mais força do que pode parecer à primeira vista. Domingo à tarde - continua Salaro - Antonio Nardoni, pai de Alexandre, me chamou para conversar. Propus uma entrevista, era importante dar voz ao casal. Mas os advogados eram contra.
Foram contra? Então porque o casal acabou à noite, na tela, dentro de um enquadramento estático, bom para os padrões da TV de 1951? A Globo ficou mal, ele, Valmir Salaro, ficou mal, os acusados do assassinato covarde pior ainda. No ¨Fantástico¨ pioraram fantasticamente a própria situação. Selaram o seu destino.