Trololó ou calote? 28/04/2008
- O Estado de S.Paulo
Depois de dois anos de tramitação no Congresso, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC ) 12, que define novas regras para o pagamento de precatórios, está em condições de ser votada. Além dos prefeitos, que aproveitaram o seu encontro anual em Brasília para pressionar os congressistas a aprová-la, a PEC desperta grande interesse entre os governadores. Precatórios são dívidas dos Estados e municípios que a Justiça manda pagar. A estimativa é de que elas totalizem hoje R$ 100 bilhões. Essas dívidas resultam, geralmente, de indenizações decorrentes da desapropriação de imóveis para a construção de obras públicas e ou de diferenças salariais que o funcionalismo tem o direito de receber. Na maioria das vezes, os credores são pessoas remediadas, que perderam sua única poupança quando tiveram sua casa desapropriada, ou servidores inativos, que reclamam a correção de suas aposentadorias.
Alegando não dispor de recursos suficientes para cumprir o que a Justiça determina, prefeitos e governadores adiam o cumprimento da ordem judicial, o que abala a confiança da sociedade nos tribunais. Algumas vezes, Estados e municípios têm, de fato, problemas de caixa que impedem o pagamento. Mas, na maioria dos casos, preocupados em privilegiar no orçamento obras que lhes dêem visibilidade política e alimentem seus projetos eleitorais, eles se recusam a liquidar as dívidas contraídas por seus antecessores - e quase sempre contraem novas.
Os maiores devedores são o Estado de São Paulo, com um débito de R$ 13 bilhões, e a Prefeitura de São Paulo, com um débito de R$ 11 bilhões. Estão na fila de credores desses dois entes governamentais 485 mil pessoas, das quais 85% têm direito a valores inferiores a R$ 15 mil. Em 2007, o governador José Serra destinou a menor dotação orçamentária dos últimos anos para o pagamento de precatórios: R$ 108 milhões para os precatórios alimentares, que envolvem diferenças salariais, e R$ 1,3 bilhão para os precatórios decorrentes de desapropriações. Atualmente, o governo estadual está pagando as dívidas judiciais de 1998.
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Reagindo ao descumprimento sistemático de suas decisões, vários tribunais passaram a autorizar o seqüestro de recursos públicos, para tentar acabar com o calote que Estados e prefeituras aplicam aos seus credores. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, determinou em 2007 o seqüestro de R$ 100 milhões da prefeitura de Santo André para o pagamento de um precatório devido a servidores municipais. A medida está prevista pela legislação, mas prefeitos e governadores alegam que ela desorganiza as finanças públicas.
Para tentar neutralizar esse risco, os governadores, liderados por José Serra, estão pressionando o Congresso a aprovar a PEC 12. De autoria do então presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, encampada pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros, e com parecer favorável do relator, senador Valdir Raupp, a PEC foi concebida para atender aos interesses dos Estados e municípios. Entre outras injustiças com os credores, ela posterga ainda mais o pagamento dos precatórios e permite ao poder público fazer um leilão, dando preferência aos credores que abrirem mão de parte de seus créditos. Pela PEC 12, a Prefeitura de São Paulo teria 45 anos para liquidar seus precatórios judiciais e o governo do Espírito Santo, 140 anos - ou seja, com sorte, os herdeiros dos herdeiros dos credores receberiam a dívida.
Além do deságio, prefeitos e governadores defendem a quebra na ordem cronológica dos pagamentos, pela qual os precatórios mais antigos são os primeiros na lista de recebimento. A justificativa é que a medida favoreceria os pequenos credores e faria ¨a fila andar mais rápido¨. Na prática, isso significa que o pagamento das dívidas dos grandes credores ficaria para as calendas.
A OAB se opõe à PEC 12. Com ela, diz o presidente da entidade, César Britto, os precatórios tornam-se ¨um joguete¨ nas mãos dos governantes. ¨Isso é trololó¨, respondeu Serra. ¨Incompetência, inadimplência, má gestão ou corrupção é um velho trololó dos governantes brasileiros¨, devolveu Britto, depois de lembrar que a quebra da ordem cronológica viola o princípio constitucional da impessoalidade.
Na realidade, a PEC 12 é uma proposta desequilibrada, que só atende os prefeitos e governadores, prejudicando milhares de credores do setor público.