Mais desmatamento 03/05/2008
- O Estado de S.Paulo
As ¨medidas enérgicas¨ anunciadas pelo governo para combater o desmatamento na Amazônia não foram suficientes para evitar que, no primeiro trimestre do ano, o avanço da devastação nos dois Estados campeões da destruição fosse triplicado. É um resultado surpreendente, pois normalmente a área desmatada na Amazônia só registra crescimento nos meses de seca na região e o aumento da fiscalização prometido pelo governo deveria pelo menos inibir a ação dos desmatadores.
Como mostrou reportagem de Eduardo Nunomura publicada quarta-feira pelo Estado, em Mato Grosso e no Pará, a área desmatada de janeiro a março passou de 77 km² em 2007 para 214 km² em 2008, dos quais 149 km² em Mato Grosso, de acordo com levantamento feito com o uso de imagens de satélites pela ONG Imazon.
No resultado acumulado de agosto - considerado o início do calendário anual do desmatamento - a março, o desempenho é diferente: o avanço do desmatamento aumentou no Pará (de 775 km² no ano anterior para 1.362 km²) e diminuiu em Mato Grosso (de 2.203 km² para 1.853 km²). Os dois resultados são ruins. No Pará, o aumento foi grande em termos porcentuais (de 75%) e, em Mato Grosso, a área desmatada é bem mais extensa e sua redução, muito lenta (apenas 16%).
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As autoridades da área ambiental dos dois Estados campeões em desmatamento na Amazônia têm à disposição, neste momento, uma explicação bastante plausível para o aumento da área devastada no primeiro trimestre: a alta dos preços das commodities no mercado internacional estimula o aumento da área cultivada, a qual tende a ocupar terras antes cobertas por florestas.
É muito provável que a situação favorável aos produtores agrícolas no mercado internacional tenha tido alguma influência no aumento da área desmatada nesses dois Estados. Mas é possível, também,que, antecipando-se às ¨medidas enérgicas¨ anunciadas, alguns proprietários tenham acelerado o processo de limpeza de suas terras - isto é, de derrubada de árvores -, preparando-as para o plantio ou para a formação de pastagens.
O fato é que a devastação da Amazônia prossegue num ritmo cada vez mais preocupante, principalmente porque as autoridades não demonstraram competência para conter e punir as ações ilícitas de madeireiros gananciosos. Estes continuam a agir como sempre agiram porque o crime tem sido altamente compensador.
Uma das medidas anunciadas pelo governo para combater o desmatamento foi a proibição de os bancos oficiais financiarem máquinas e o plantio de safra para proprietários que tenham feito derrubada ilegal de florestas. Fazendeiros envolvidos em crimes ambientais seriam multados, teriam bens bloqueados e ficariam proibidos de realizar qualquer atividade comercial. Outra medida é o recadastramento, pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), de 80 mil propriedades localizadas nos 36 municípios com maiores índices de desmatamento.
Para aplicar essas medidas, o governo precisa dispor de funcionários em quantidade e preparados. Mas é notória a carência de pessoal na área de fiscalização e policiamento ambiental, sobretudo na Amazônia. Apreensões de madeira ilegal e punições de desmatadores, quando ocorrem, geralmente resultam de operações especiais envolvendo diferentes órgãos federais e estaduais.
No trabalho rotineiro, quando há pessoal para executar as tarefas, lamentavelmente há também o risco de seu envolvimento nas atividades ilegais. No mesmo dia em que noticiou o crescimento da devastação, o Estado informou que a Polícia Federal prendeu em Mato Grosso 61 pessoas acusadas de formar uma quadrilha que facilitava a exploração ilegal e o transporte irregular de madeira. Dos presos, 39 são funcionários de órgãos ambientais e policiais, estaduais e federais.
O desmatamento na Amazônia apresenta números alarmantes - e, nesse campo, o poder público, em todos os níveis, não tem agido com a eficácia que os brasileiros têm o direito de cobrar dele.