Grau de investimento tende a acirrar tensões no governo 04/05/2008
- Kennedy Alencar - Folha Online
A concessão do grau de investimento ao Brasil não deve reduzir a tensão entre o Banco Central e a Fazenda. Pelo contrário. A tendência é de aumento das divergências.
Na semana que passou, o presidente do BC, Henrique Meirelles, faturou o selo de qualidade dado ao Brasil por uma agência de classificação de riscos dos Estados Unidos, a Standard & Poors. O país passou a ser visto como um porto mais confiável para investimentos estrangeiros. Passou a ser visto como um bom pagador de seus compromissos externos.
Os lados positivos da notícia são a provável atração de mais investimentos e a possibilidade de empresas brasileiras captarem recursos no exterior de forma mais barata. Mas há um aspecto negativo.
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O grau de investimento chegou bem no início de um novo processo de alta dos juros básicos, a Selic. Na visão do Banco Central, há um risco de inflação que precisa ser combatido com novas elevações dos juros. Na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), o órgão do BC que se reúne a cada 45 dias para fixar os juros, a taxa subiu 0,5 ponto percentual. Hoje, a Selic está em 11,75% ao ano. A decisão surpreendeu Lula, que reclamou com Meirelles, apesar de manter o apoio político à autonomia do BC e dar declarações públicas que buscam evitar o acirramento das tensões na área econômica.
Para a Fazenda, o grau de investimento deveria ser usado pelo BC como forma de interromper ou suavizar o ajuste para cima dos juros. Mas a tendência do Banco Central é continuar o processo com a intensidade da última decisão. Ou seja, dar mais duas ou três pancadas de 0,5 ponto percentual. Tem gente no mercado que defende maior rigor monetário.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, acredita que, se o BC trilhar esse caminho, o dólar vai se desvalorizar ainda mais em relação ao real. Na sexta-feira (02/05), a moeda norte-americana terminou o dia com a cotação mais baixa dos últimos nove anos (R$ 1,65).
A Fazenda avalia que a manutenção do dólar nesse patamar, ou até mesmo uma maior queda, tende a abrir um buraco nas contas externas do país no médio prazo. Setores exportadores serão fortemente afetados, sempre de acordo com esse entendimento da Fazenda. E a geração de empregos sofreria um baque.
Nos bastidores, Lula reclama do BC. Mas, na hora H, não contraria o Banco Central. Até agora, Lula não deu sinais de interferência na autonomia do BC.
Mantega e alguns opositores, como o governador de São Paulo, o tucano José Serra, acreditam que o presidente brinca com o perigo. Lula poderia colher uma crise econômica ainda em seu mandato. Como o presidente petista tem fama de sortudo, há quem ache que a herança maldita da atual administração poderá explodir no próximo governo. Serra, hoje favorito nas pesquisas para suceder Lula, teme receber uma herança desse tipo.
A visão do BC
Na opinião do Banco Central, se o governo Lula reduzisse os gastos públicos, Meirelles e cia. não precisariam ser tão rigorosos na política monetária. Como o presidente se recusa a diminuir os gastos, que vêm crescendo, o BC fica com o papel de policial malvado.
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*Kennedy Alencar é colunista da Folha Online e repórter especial em Brasília