Vigilância e liberdade 04/05/2008
- O Estado de S.Paulo
¨O preço da liberdade é a eterna vigilância.¨ A frase, que vem sendo repetida desde o século 18, também sintetiza a condição em que se luta para preservar a liberdade de imprensa conquistada e, com ela, a plena Democracia. Foi esse o espírito que presidiu a 3ª Conferência Legislativa sobre a Liberdade de Imprensa, organizada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), realizada no auditório da TV Câmara, no Congresso Nacional. Empresários da grande mídia, deputados, senadores e representantes de associações ligadas ao jornalismo, mesmo que tivessem pontos divergentes sobre mudanças a serem feitas e sobre a necessidade, ou não, de legislação específica para a imprensa, em um ponto estiveram de pleno acordo: há liberdade de imprensa em nosso país, mas sobre ela pairam ameaças.
Entre essas ameaças foi apontada a tentativa de censura prévia embutida em muitas decisões judiciais - o que mereceu repúdio geral dos debatedores na conferência. Na verdade, se há dispositivos claros no texto de nossa Constituição - onde pululam tantas ambigüidades -, são os que vedam qualquer censura prévia aos meios de expressão e aos veículos de comunicação social. Aliás, somente na Carta Magna de uma sociedade que já sofreu censura férrea, como a nossa, haveria de surgir antídotos contra a censura tão fortes como os que temos. Mas há que se entender que, numa Democracia, maior do que o direito constitucional de os veículos transmitirem informações é o dos cidadãos de recebê-las.
O excessivo valor das indenizações impostas, por decisões judiciais, aos veículos de comunicação, em decorrência de processos que lhes são movidos pelos que se sentem atingidos por suas notícias ou opiniões, é outra ameaça real à liberdade de imprensa, por seu sentido de intimidação - mais do que de compensação. ¨Para os pequenos veículos isso pode significar a ruína completa¨, disse o vice-presidente das Organizações Globo, João Roberto Marinho. E para o jornalista Julio César Mesquita, membro do Conselho de Administração do Grupo Estado, o limite para as indenizações pode ser inserido na legislação atual. Decisões judiciais que ultrapassem o bom senso e a prudência, punindo a livre expressão com indenizações insuportáveis, sempre representarão um golpe funesto contra a liberdade de informar e ser informado.
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Em levantamento feito pela Folha de S.Paulo, analisando as decisões proferidas em 130 processos abertos contra emissoras de televisão, jornais e revistas de todo o País, ficou demonstrado que as indenizações por danos morais demandadas por juízes de Direito costumam chegar a valores três vezes maiores do que os pleiteados, em processos semelhantes, por cidadãos comuns. Enquanto o cidadão comum obtém, em média, cerca de R$ 150 mil (361 salários mínimos) nas indenizações pagas pelos veículos, os magistrados costumam ganhar nada menos do que R$ 470 mil - ou 1.132 salários mínimos.
Veja-se o que disse, a propósito, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello: ¨Não posso conceber que isso ocorra, eu fico perplexo. Quando um magistrado vai a juízo para reclamar por agressão à própria honra ele vai como um cidadão.¨
O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), autor da ação no STF que pede a revogação definitiva da Lei de Imprensa, tem a propósito uma opinião mais radical. A seu ver, agentes públicos de qualquer espécie devem ser impedidos de alegar danos morais em ações contra jornalistas para obter indenizações pecuniárias. ¨Não pode haver pedido de indenização por parte de atores da vida pública¨, afirmou. ¨Isso não inclui apenas os portadores de mandato e os concursados, mas também os líderes religiosos e classistas. Tudo o que disser respeito ao interesse público não pode ter um guarda-chuva legal para ocultar, intimidar e impedir investigações.¨ Esta, aliás, foi a prática instituída nos Estados Unidos, desde 1964, pela Suprema Corte.