Na Amazônia está em jogo o futuro do Brasil, diz Mangabeira 15/05/2008
- Edson Porto e Américo Martins - BBC
O ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, Roberto Mangabeira Unger, voltou às manchetes nesta semana por dois motivos. O primeiro foi sua indicação para coordenar o Plano Amazônia Sustentável (PAS), um projeto para desenvolver a região de forma equilibrada. O segundo foi a sugestão de que sua indicação teria levado Marina Silva a se demitir do cargo de minista do Meio Ambiente.
Em relação ao plano, o ministro diz que ninguém está preparado para uma tarefa dessa magnitude. Quanto à ministra, ele é suscinto. ¨Não posso especular sobres os motivos.¨
O ministro falou com exclusividade à BBC Brasil e à BBC inglesa na quarta-feira, em Manaus, onde esteve para discutir os primeiros passos do PAS com o governador do Amazonas, o peemedebista Eduardo Braga.
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Ele disse que o modelo econômico adotado na região amazônica terá um impacto em todo o país. ¨O que está em jogo na Amazônia é o futuro do Brasil.¨
De olho no público externo, Mangabeira Unger conversou com a reportagem da BBC em inglês, com um leve sotaque americano.
A ministra Marina Silva renunciou apenas cinco dias após a apresentação do Plano de Aceleração Sustentável (PAS) para a Amazônia. O que essa renúncia significa?
– Eu não devo e não vou especular sobre as razões da renúncia. Tudo que eu posso dizer é que estou entre os muitos admiradores da ministra no Brasil. Ela é corajosa, tenaz e uma cidadã esperançosa que dedicou a maior parte da sua vida para defender uma causa de grande importância nacional. Em segundo lugar, eu devo dizer que o compromisso fundamental do governo com o desenvolvimento sustentável na Amazônia permanece inalterado. E nós estamos determinados a continuar agora e demonstrar para o mundo como preservação, defesa e desenvolvimento podem ser conciliados na Amazônia.
Na sua carta de renúncia, a ministra Marina disse que não teve todo o apoio do governo que achava necessário para fazer seu trabalho. É possível ter diferentes ministérios trabalhando juntos neste governo em torno da Amazônia?
– O presidente me deu essa tarefa de coordenar os programas de desenvolvimento para a Amazônia,e ele disse que uma das razões pelas quais fez isso é que não queria que a coordenação da política para Amazônia fosse feita por um ministério especializado.
É muito natural para um ministro do Meio Ambiente estar primeiramente preocupado com a preservação do meio ambiente, mesmo que enfatizando um comprometimento com o desenvolvimento. Da mesma forma que para o ministro da Agricultura é natural que ele esteja primeiramente preocupado com a produção agrícola. É muito natural que esses diferentes ministros tenham diferenças de ênfase. O presidente sentiu que a coordenação de uma questão de tamanho significado para a nação não deveria ficar na mão de um ministro especializado. Essa foi a posição dele.
Segundo alguns órgãos de imprensa, um dos motivos que motivaram saída da ministra seria sua indicação para coordenar o PAS. Foi isso que ocorreu?
– Eu não posso especular sobre os motivos. Estive viajando o dia todo e nem li a carta de demissão. E isso não é a minha preocupação. Minha preocupação é a tarefa que me foi dada. Essa é uma grande tarefa, não apenas para o nosso país, mas para o mundo todo. Temos que nos perguntar o que desenvolvimento sustentável realmente significa e do que necessita.
E do que necessita?
– Há três pré-condições fundamentais. A primeira é a questão da propriedade da terra. Temos que esclarecer a titulação e a posse da terra. O segundo pré-requisito é que se faça um zoneamento ecológico e econômico da Amazônia, que possa definir uma estratégia para a Amazônia sem floresta, não só a que foi desflorestada, mas também aquela parte que nunca teve floresta, e outra para a Amazônia com floresta. A terceira pré-condição é a construção de um regime regulatório e fiscal que garanta que a floresta em pé valha mais do que a floresta cortada. Uma vez que essas pré-condições estejam satisfeitas, podemos tocar os quatro principais pontos de trabalho que nos foram dados para dar um conteúdo prático à idéia de desenvolvimento sustentável.
E quais seriam esses pontos?
– O primeiro trabalho é tecnológico: a construção de uma tecnologia apropriada para a floresta tropical. Quase toda a tecnologia florestal disponível no mundo se desenvolveu para lidar com florestas temperadas, que são muito mais homogêneas e menos ricas que as tropicais.
O segundo trabalho é técnico, a organização de serviços ambientais avançados na Amazônia, o que é mais fácil falar do que fazer. Para ter serviços ambientais avançados na Amazônia precisamos de pessoas altamente qualificadas, que estejam dispostas a viver e trabalhar fora das grandes cidades. Em todo o mundo, pessoas muito qualificadas querem viver em grandes cidades, e uma das razões é porque apenas nas grandes cidades eles têm acesso a serviços de alta qualidade. Ninguém no mundo descobriu ainda como prover serviços de alta qualidade em um amplo território. E esse é apenas um dos vários problemas novos que teremos que solucionar.
E quais seriam os outros?
– O terceiro é legal e institucional, qual será o regime de propriedade sob o qual a floresta será gerida. Há uma tendência em países com floresta em todo o mundo de ir na direção de gerenciamento comunitário da floresta, como alternativa a um sistema de concessão para grandes negócios. Mas esse sistema de gerenciamento comunitário ainda tem que ser definido em um formato legal preciso.
E o quarto trabalho, e possivelmente o mais formidável deles, é o desenvolvimento da ligação entre a floresta e as indústrias, indústrias que transformem a madeira e outros produtos da floresta. Essas indústrias não vão surgir a menos que a gente crie incentivos econômicos, não apenas para que elas se instalem, mas também para que seja adicionado valor a essa atividade industrial. Então é um grande trabalho.
Ministro, para que tudo isso funcione é preciso que diferentes ministros, políticos e atores, que como o sr. mesmo disse têm diferentes visões e interesses, trabalhem juntos e também é preciso que sejam estabelecidas prioridades na Amazônia. O sr. estaria preparado para enfrentar, por exemplo, os planos do Ministério da Agricultura para a Amazônia?
– Eu creio que se produz uma impressão falsa, por causa do foco de alguns em rivalidades e desentendimentos. A verdade é que há base para uma convergência inclusiva de opiniões no Brasil. Há algumas pessoas que deixariam a Amazônia como um santuário, um parque, para o deleite e benefício da humanidade. E há algumas outras que acreditam que desenvolvimento requer portar abertas para formas predatórias de exploração. Mas a vasta maioria do país se opõe a essas duas visões e está determinada a encontrar uma forma para reconciliar três compromissos: o compromisso com a conservação, o compromisso com um sistema de produção inclusivo e o compromisso de defesa da nossa soberania. O que está no cerne desses três compromissos é a definição de uma estratégia econômica coerente. Sem essa estratégia, não teremos o compromisso com a conservação.
Por quê?
– A Amazônia não é um conjunto de árvores. É primeiro um grupo de pessoas, de 25 milhões de brasileiros. Se essas pessoas não tiverem oportunidades, elas serão forçadas a atividades econômicas desordenadas, o que levará ao desflorestamento. Da mesma forma, sem uma estratégia econômica não existirão estruturas econômicas e sociais na região. Uma região vasta sem essas estruturas não pode ser defendida. Ou seja, se quisermos solucionar o problema de defesa, de um lado, e da conservação, de outro, temos que ter sucesso em criar uma estratégia econômica coerente. E para lidar com essa tarefa temos que superar essa falsa disputa entre os dois extremos dos argumentos. Temos que olhar para o conteúdo.
Mas quando se olha para o conteúdo do PAS ele parece com um plano de negócios, mais do que um projeto de desenvolvimento sustentável...
– Não concordo de forma alguma. Primeiro é preciso dizer que esse plano é apenas um ponto de partida. Não é um programa completo.
Mas o plano menciona uma série de grande obras, como hidrelétricas e portos, mas praticamente não toca na questão da preservação.
– Eu não concordo. É verdade que os projetos do governo foram incluídos no documento, mas na verdade o compromisso com a preservação está em todo o texto. Mas o problema não é o texto. O trabalho aqui não é ficar interpretando o significado das palavras neste texto, porque como eu disse este plano é apenas um ponto de partida. A questão real é o que vem agora, como tomamos agora ações de curto prazo que possam ter um efeito imediato, mas que ao mesmo tempo sinalizem a direção em que planejamos avançar. E essa é a nossa preocupação agora. É por isso que estou aqui hoje (quarta-feira) visitando o governador do Amazonas e tenho a intenção de visitar todos os governadores da região amazônica. Estamos procurando por eixos que nos levarão do curto prazo para o longo prazo.
E que medidas seriam essas?
– Hoje, por exemplo, nós discutimos que ações práticas podem ser tomadas para resolver a questão da propriedade da terra, nos colocando em um caminho acelerado para ir da posse à propriedade da terra. Também discutimos como podemos criar alternativas práticas para a produção em pequena escala para quem está nas zonas de transição entre a floresta e as áreas abertas, para que essas pessoas não sejam empurradas na direção das atividades ilegais. E ao mesmo tempo temos que ter um aparato do Estado monitorando esse processo. Também discutimos a construção de uma rede de parques industriais para transformar madeira e outros produtos da floresta. Além disso, também discutimos a questão da formação humana. A mais promissora das idéias é uma nova forma de formação secundária, que combinaria educação geral com educação técnica e profissional.
O sr. está falando de uma grande transformação do modelo de desenvolvimento da região, algo extremamente difícil e amplo. O que é preciso para que se possa realmente alterar esse modelo?
– É preciso quebrar essa tarefa em tarefas menores, usando pequenas coisas para construir as grandes. É disso que precisamos. Estamos convencidos que a Amazônia é uma causa nacional e não uma causa local. É um grande laboratório nacional, não é uma fronteira apenas da geografia, mas também da imaginação. E é o terreno em que podemos nos reinventar e nos reconstruir. É um ponto simples na história do país. No século 19 nós ocupamos as costas, no século 20 caminhamos para o oeste e o centro do país e no século 21 vamos transformar o Brasil através da transformação da Amazônia. O que está em jogo na Amazônia é o futuro do Brasil.
O sr. acredita que o Brasil, a população, os políticos, os empresários estão preparados para realizar uma tarefa tão difícil?
– Ninguém nunca está preparado para tarefas dessa magnitude.