As fronteiras agrícolas e o oxigênio do futuro 17/05/2008
- Pedro do Coutto
Por trás de tudo, entre as causas principais, senão a principal, da saída da senadora Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente está o impulso de expansão das fronteiras agrícolas invadindo espaços do verde da Amazônia, em busca da conquista de um mercado cujos preços encontram-se em expansão. Os limites do agronegócio, sob este prisma, encontraram uma aliança com os responsáveis pelo desmatamento, já que uma coisa diretamente se vincula à outra.
O lucro das atividades ilegais de madeireiras, que foram ganhando terreno na selva, fornecem a base para o plantio de novas culturas, caso principalmente da soja e da cana-de-açúcar. Mas não é apenas esta a questão. Na Amazônia, existe o problema essencial das reservas indígenas, que fazem fronteiras com outros países; existem os posseiros; as reservas extrativas minerais; os grandes latifúndios, os senhores da terra, os assassinos de aluguel dentro de um cenário típico do oeste americano do século 19. A complexidade da enorme área verde é extremamente profunda.
Múltipla, um labirinto de muitos espelhos a refletir imagens que não se restringem ao universo nacional, mas também internacional. É este o desafio colocado à frente do deputado Carlos Minc, que vai substituir a parlamentar do Acre na pasta. Os crimes de morte na região são comuns. Os que se opõem aos que se julgam donos regionais correm sério risco de vida, quando não a perdem em ciladas e emboscadas.
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Tem-se a impressão que o século 20 ainda não começou na região. Estamos no século 21, mas permanecem os caracteres de 1800. O general Augusto Heleno colocou em discussão um ângulo da problemática. Nenhuma das faces da questão conseguiu ser ainda focalizada em seu conjunto. E há, como disse há pouco, o aspecto internacional.
É natural. O desmatamento, seja para roubo de madeira, seja também para expandir culturas agrícolas, reduz a oferta de oxigênio, não só no Brasil mas no planeta. Menos oxigênio, mais calor. Maior calor, menos geleiras. Mais poluição, que acompanha passo a passo a destruição. Evidentemente, a derrubada de árvores centenárias para satisfazer a ganância sem limites preocupa a humanidade.
Dá margem, inclusive, para investidores, que volta e meia se repetem no sentido da internacionalização daquele território brasileiro, pouco mais que a metade de todo o País. Com isso, a nossa própria soberania passa a ser tocada por uma situação de risco. Estamos dando um pretexto. A Amazônia é o pulmão do mundo.
Nós, brasileiros, a começar, é claro, pelo governo, temos que zelar por ela, defendê-la, nela estabecer as condições dignas de vida e exploração para resguardá-la da cobiça internacional. Ela existe. Sempre existiu. Uma sorte histórica de nosso País foi nunca fazer fronteira com países militarmente mais fortes do que nós. Fôssemos fazer fronteira com os Estados Unidos, com a China, com qualquer outra nação poderosa, e hoje seria outra a dimensão de nosso território.
Veja-se o exemplo do México. Dos países que tiveram (e têm) fronteiras com a Rússia de hoje, União Soviética de ontem. Mas esta é outra questão. O que se coloca é a necessidade universal de preservação do verde, como aquele a que se referiu o poema de Garcia Lorca. De um lado, existem os limites do agronegócio, de outro, as usinas de ar. Num terceiro vértice, o desenvolvimento econômico, que depende, como no caso das usinas de Rio Madeira, de maior geração de energia elétrica.
É indispensável compatibilizar tudo isso. Tarefa agora nas mãos de Carlos Minc. Ele enfrentava desafios relativos ao meio ambiente urbano. Já não era pouco. Pois a poluição neste caso resulta do próprio subdesenvolvimento, alicerçado em níveis precários de educação. Mas este é o ângulo comunitário. Outro é o meio ambiente em termos de Brasil.
A tarefa é simplesmente gigantesca. Sobretudo porque um projeto político nesse universo terá que ser o denominador comum de todos os interesses, de todos os impulsos, de tudo o que acontece e está para acontecer, mas também do objetivo de progresso que não pode ser esquecido.
Não se pode simplesmente estatizar a floresta e mantê-la intocada. Pois se o progresso, por si só, destruísse a natureza, ela já teria deixado de existir há muito no mundo. Todos nós encontraríamos somente um deserto à nossa volta. Como a política, no fundo da questão, é um conjunto de técnicas, o ministro do Meio Ambiente precisará de extraordinária capacidade para administrar todas as contradições contidas em cada uma dessas técnicas, em cada um dos objetivos, em cada um dos impulsos e os seus respectivos limites legais.
Para fixar estes limites, é essencial uma sintonia fina, supersensível, porém firme e concreta. Marketing não vai resolver. Não conterá o desmatamento, não impedirá a expansão menos legítima das fronteiras agrícolas, não garantirá os mananciais de água, não vai assegurar a perenidade dos rios. Mas também não irá substituir o lucro, tampouco manter pelo menos no nível de hoje a emissão do oxigênio vital para o presente e para o futuro.
O meio ambiente, aliás, não é apenas um ministério. É um conjunto deles, tais e tantas são as ações que o englobam, o envolvem e, se não enfrentadas logicamente, são capazes de poluir o presente e destruir o futuro. À frente de todo ministro do meio ambiente, assim, a cada dia, haverá sempre um abismo diante de seus passos.