O STF e o uso abusivo das MPs 18/05/2008
- O Estado de S.Paulo
Um dia depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido por 6 votos contra 5 que medidas provisórias destinadas a liberar créditos extraordinários podem ser baixadas apenas para o atendimento de despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, conforme prevê o artigo 62 da Constituição, o presidente Lula assinou duas novas MPs criando despesas e as divulgou numa edição extra do Diário Oficial que circulou na quinta-feira.
As MPs destinam recursos a mais um plano de reestruturação de cargos e salários do funcionalismo público, aumentando de R$ 3,4 bilhões para R$ 10,96 bilhões o limite de gastos com a folha de pagamento da União. Serão beneficiados 1,5 milhão de servidores.
A iniciativa de Lula surpreendeu os meios jurídicos e levou a oposição a se recusar a votar as 13 MPs que estão trancando a pauta do Senado.
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Alguns parlamentares classificaram a iniciativa do Palácio do Planalto como “afronta” à mais alta Corte do País e o líder do PSDB, senador Arthur Virgílio, criticou o que chamou de “esperteza”do governo, ao destinar os recursos para reajuste de servidores, colocando-os contra quem votar pela rejeição da medida.
Os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE), Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e Mário Couto (PSDB-PA) afirmaram que o presidente pode gerar uma crise institucional se não retirar as duas MPs. E até um parlamentar governista, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), sugeriu prudência ao governo.
Tão grave quanto o desrespeito à decisão do Supremo foi o argumento invocado pela Casa Civil para justificar a publicação das duas MPs. Segundo assessores da ministra Dilma Rousseff, as MPs já estavam assinadas antes da sessão do Supremo, na quarta-feira.
A estratégia de divulgá-las às pressas, por meio de uma edição extra do Diário Oficial, configura o que os juristas chamam de chicana.
Mais acintosa ainda foi a declaração do advogado-geral da União, José Antonio Dias Tófolli. “A decisão do STF não proíbe o presidente da República de editar novas MPs de crédito extraordinário, se ele entender que a questão é relevante e imprevisível”, disse ele. “O presidente tem o poder de editar MPs, as partes interessadas, de propor ações e o Supremo, de julgar. É assim que funciona”, concluiu.
Não é. O que o chefe da AGU não compreendeu é que, quando o Supremo julga, todos - inclusive o presidente da República - têm de respeitar a decisão.
“A decisão vale daqui para a frente”, disse o presidente do Supremo, ministro Gilmar Ferreira Mendes, após lembrar que o presidente da República está proibido de editar MPs que criem despesas fora das hipóteses previstas pela Constituição.
O STF foi taxativo ao afirmar que, ao recorrer abusivamente às medidas provisórias para decidir matérias corriqueiras e autorizar créditos extraordinários, que nada têm de urgência e relevância, o governo vem desrespeitando sistematicamente a Constituição e desfigurando o Orçamento-Geral da União devidamente aprovado pelo Poder Legislativo.
Medida provisória, diz o decano do STF, ministro Celso de Mello, é exceção e não regra. Ou seja, deve ser utilizada com prudência e moderação por parte do chefe do Executivo. No entanto, afirma o ministro, “o excesso de MPs que os sucessivos presidentes editaram, inclusive o atual, transformaram o que deveria ser prática extraordinária em exercício ordinário”.
Para se ter idéia da importância e do alcance da decisão do Supremo, entre 2007 e 4 de abril de 2008 foram editadas 23 MPs de liberação de créditos extraordinários, no valor total de R$ 62,5 bilhões, o que corresponde a 10% do Orçamento-Geral da União.
No ano passado, o volume de gastos criados por MP cresceu quase 100%. E, dos R$ 16,6 bilhões destinados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007, R$ 11,6 bilhões vieram de créditos extraordinários.
“Tem-se na prática um verdadeiro orçamento paralelo”, concluiu Mello.
Ao fechar as portas para esse tipo de “esperteza”, coibir o uso abusivo das MPs e preservar a competência legislativa do Congresso, o Supremo Tribunal Federal buscou restabelecer o equilíbrio entre os Poderes e assegurar o cumprimento da Constituição.
Esse é o principal significado de sua decisão e ao governo resta acatá-la.