O chefe da Funai em Barra do Garças, Mato Grosso, o enganou, ele contou a um pastor batista que ia matá-lo e fugir para o Paraguai. O pastor ligou para Darcy Ribeiro, queria ajuda. Darcy sugeriu que o pastor o trouxesse urgente para o Rio e pediu a Lisaneas Maciel e a mim para recebermos o pastor e Juruna no aeroporto do Galeão.
Fomos, e levamos os dois para o apartamento de Brizola, na Avenida Atlântica, em Copacabana. Juruna ficou em pé, com aquele tamanhão, as mãos enormes, o cabelo tosado, calado. Mal falava algumas palavras.
Darcy disse-lhe que se sentasse. Juruna não se sentou e ficou olhando duro para Brizola. Darcy explicou que ele não se sentava porque esperava uma palavra do dono da casa. Brizola falou, Juruna se sentou.
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Brizola pensou em lançá-lo para o Senado, mas Saturnino já era candidato. Juruna saiu para deputado, elegeu-se e foi tragado em Brasília.
Brizola
Aos 17 anos, em 60 (nasceu em setembro de 43), ainda vivia nu na floresta, tentando flechar avião voando baixo. Pouco depois, já cacique xavante da aldeia Namunjurá, em São Marcos, Barra do Garças, Mato Grosso, começou a reivindicar e discordar da Funai.
Apareceu em Brasília em 77, com sua desconfiança e seu gravador, porque ¨Funai não cumpria¨ e ¨governo de homem branco mentia¨. Na campanha de 82, iamos com Brizola às universidades, comícios na Baixada, no interior. Bocaiúva Cunha, Brandão Monteiro, riam dele.
Ficava com ódio. Achava que as notas engraçadas do saudoso Zozimo sobre ele, na coluna, eram passadas por Bocaiúva. Foi a Brizola:
- ¨Bizola¨, Juruna vai bater em ¨Bocauva¨. ¨Bocauva¨ manda ¨Gosmo¨ escrever no jornal contra Juruna. ¨Bocauva¨ filho puta.
Brizola falou com Bocaiúva, me chamou:
- Tu estás eleito. Toma conta do cacique. Pede voto para ele. Nos comícios, eu falava dele, pedia votos. Ficou meu amigo eterno.
Analfabeto
Na quadra 202 Norte, dos deputados, em Brasília, ele morava no 1º andar com a mulher e doze filhos. Eu, Chico Pinto, Amauri Muller, outros, nos demais andares. Toda manhã, ele subia para meu apartamento, um bolo de jornais na mão, tocava a campainha, não cumprimentava ninguém.
Entrava, ia direto para o escritório, jogava os jornais sobre a mesa:
- ¨Nerú¨, lê jornal pra Juruna. Jornal fala de Juruna?
Eu já tinha lido alguns, dava uma olhada nos outros, quando havia notícia sobre ele marcava o nome em lápis vermelho, ele rasgava o pedaço, dobrava, punha no bolso e saía rápido, sem agradecer nem dizer até logo.
Na Câmara, entregava os recortes à assessoria, como se ele tivesse lido, e dizia o discurso que queria fazer. Escreviam o discurso, ia para a tribuna e engavana 500 políticos que se achavam mais espertos do que ele.
Ulysses
Como se estivesse lendo, Juruna ia falando, mas não era o que estava escrito, era o que ele pensava, e ia pondo as folhas ¨lidas¨ do lado, depois dava à taquigrafia. É só conferir nas notas taquigráficas da Câmara. Os discursos dele eram sempre duplos: o escrito e o realmente falado.
Um dia, em Roma, muito tempo depois, à beira de um Brunello Di Montalcino, contei essa história a Ulysses Guimarães. Ficou surpreso:
- Que índio filho da puta. Me enganou quatro anos. Ulysses não sabia, ninguém sabia, Juruna não lia. Só assinava o nome. Era um segredo que prometi guardar, enquanto ele vivesse. Cumpri.
Tancredo
Saía da Câmara, entrava no primeiro carro oficial e ia para casa. Não adiantava dizer que o carro era de outro. Mandava seguir:
- Deputado povo, carro povo.
Na eleição indireta de 85, o coordenador da campanha de Maluf, Calim Eid, que Juruna chamava de ¨Galinhei¨, depositou um dinheiro, uma mixaria, na conta dele. De manhã, Juruna entrou em minha casa:
- ¨Nerú¨, Juruna pode comprar fazenda? Por que deputado branco pode comprar fazenda e Juruna não pode?
- Porque você, como eu, não tem dinheiro para comprar fazenda.
Outros amigos e eu lhe pedimos, ele reuniu a imprensa, contou a história do dinheiro de ¨Galinhei¨, devolveu e votou em Tancredo. Morreu duro e puro, ajudado pelo PDT de Brasília. Nunca vi índio tão índio. Os brancos, como ele chamava os políticos, não arrancaram sua alma de índio.
Índio de ONG
Agora, no Brasil, inventaram ¨índio de ONG¨. Em Roraima (Raposa-Serra do Sol), no Pará (hidrelétrica Belo Monte), a TV e a internet mostram ¨caciques¨ em escritórios refrigerados, com carro importado, relógios de grife, computador, note-book, celular.
Em Roraima, o ¨cacique Julio Macuxi¨ preside uma ONG que é uma ¨embaixada estrangeira na Amazônia¨, com o ¨site¨ ¨Cir.org,br¨, ¨parceira¨ da ¨Norad - Noruega¨, ¨Amazon Alliance¨, Nova Zelândia, etc.
Dá entrevista: ¨Queremos um Estatuto Indígena que regulamente a exploração das nossas riquezas minerais, nossos recursos hídricos. Não queremos migalhas de royalties, queremos vender nosso produto ao Brasil. A hidrelétrica de Cotingo t