Advertência do cacique caiapó 30/05/2008
- O Estado de S.Paulo
Se impressionou a cena, tão repetida nos telejornais, dos índios caiapós em Altamira, agredindo com bordunas e ferindo com facão - com profundo corte no braço - o engenheiro da Eletrobrás, Paulo Roberto Rezende, que lhes dava informações sobre o projeto de construção da Usina de Belo Monte, mostrando o quanto se tentava reduzir o inevitável impacto ambiental da obra e demonstrando os benefícios socioeconômicos que traria para a população daquela região, perplexidade maior ainda causou a justificativa que se deu para aquela brutalidade exibida ao vivo e em cores.
Um delegado de polícia que se declara tolhido em sua função de impedir o uso de facões, pelos índios, visto que esse instrumento faz parte da ¨cultura¨ indígena (e nós que não sabíamos da existência de instrumentos metálicos perfurocortantes entre os povos do neolítico); um padre que, inebriado de emoção étnico-antropológica, reverberava contra o cidadão (o engenheiro quase linchado) que não ¨entendia¨ o alcance daquela ¨cultura¨ (ou seja, a cultura primordial do facão).
Ninguém se deu conta de que aqueles indígenas aculturados, acostumados a instrumentos, dispositivos e produtos ¨brancos¨ muito mais sofisticados do que simples facões, estavam bem longe de poderem ser considerados inimputáveis, pela legislação penal brasileira, e, como qualquer cidadão brasileiro comum que pretendem ser, deveriam responder, perante as autoridades policiais e judiciais, pela prática de violência flagrada ao vivo e em cores.
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O próprio engenheiro, vítima da lesão corporal, não considerou ¨culpabilidade¨ alguma nos índios.
E o cacique da agressiva tribo caiapó, discursando depois em bem inteligível português, advertiu e garantiu que o governo ¨brasileiro¨ estava provocando, ali, ¨uma guerra mundial¨. Parecia um indignado chefe de Estado mandando recado a um colega persona adversa (no caso, Lula).
Desde que irrompeu - permanecendo ainda não resolvido e sub judice no Supremo Tribunal Federal - o conflito em torno da Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, as manifestações de tribos indígenas (todas fazendo questão de designar-se como ¨nações¨) têm adquirido uma conotação especialmente aguerrida, como se, de repente, a população indígena remanescente do território brasileiro pretendesse ter chegado o grande momento da ¨retomada¨ de suas terras ancestrais - mesmo que, em muitos casos, seus antepassados jamais as tivessem habitado.
Ora são os índios das etnias irantxe e mynky (das quais pouco se falava) que invadem a sede da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em Cuiabá, mantendo funcionários da instituição presos como reféns dentro do prédio; ora são os guaranis-terenas que em Miranda, no Pantanal, tornam seus reféns funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) e impedem a entrada de outros 120 funcionários no posto da instituição; ora são manifestações de diferentes ¨nações¨ indígenas em outras regiões de Mato Grosso do Sul, Paraná e Minas Gerais - sempre com pretextos reivindicatórios diversos, quanto a demarcações, repasse de verbas, obras governamentais que lhes são indesejáveis e coisas semelhantes.
Conflitos nesses campos sempre houve, mas há uma notória diferença de tom que leva a refletir sobre as recentes advertências do general Augusto Heleno, o comandante militar da Amazônia, quanto aos riscos de as questões indígenas poderem gerar - ou incentivar - uma situação de desafio à própria soberania nacional - no que se mistura à discussão internacional sobre a capacidade de o Brasil impedir a devastação amazônica, ao que o presidente Lula reage com veemência.
E a questão também é bem-posta em recente artigo do sociólogo Hélio Jaguaribe, quando afirma que ¨por meio de uma multiplicidade de processos a Amazônia está sendo submetida à acelerada desnacionalização, em que se conjugam ameaçadores projetos por parte de grandes potências para sua formal internacionalização com insensatas concessões de áreas gigantescas - correspondentes, no conjunto, a 13% do território nacional - a uma ínfima população de algo em torno de 200 mil índios¨.
Para o sociólogo, ¨o objetivo que se tem é o de criar condições para a formação de ´nações indígenas´ e proclamar, subseqüentemente, sua independência¨.
Não estaria essa idéia bem ilustrada na advertência de ¨guerra mundial¨ do cacique caiapó?