A intromissão confirmada 06/06/2008
- O Estado de S.Paulo
Sete vezes a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, afirmou anteontem serem falsas as acusações da ex-diretora da Agência Nacional de Aviação (Anac) Civil Denise Abreu, de que ela a pressionara para não criar obstáculos à venda da Varig à antiga subsidiária VarigLog.
Numa entrevista ao Estado, Denise contou que, à época, a ministra ¨se insurgiu¨ contra a sua idéia de exigir provas de que pelo menos 80% do capital da empresa compradora pertencia efetivamente a brasileiros, como determina a lei quando se trata de companhias aéreas nacionais. Denise queria ter certeza de que eram efetivamente deles, e não de estrangeiros, os recursos que aportaram à joint venture. Do contrário o negócio não poderia ser autorizado pela Anac. (Cercada de fundadas suspeitas, a operação se consumou em julho de 2006, em um leilão de que só a VarigLog participou.)
Os desmentidos em série da ministra, numa sessão com a imprensa originalmente convocada para que ela pudesse celebrar as realizações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), foram pontuadas por um curioso adendo. Além de garantir que o governo não participou da venda da Varig - ¨não decidimos isso enquanto ministérios¨, declarou, no seu melhor burocratês -, disse que ¨estranhou¨ as denúncias. Afinal, comentou, a denunciante era vista com ¨consideração razoável¨ no governo, por ter trabalhado na própria Casa Civil, na gestão do ministro José Dirceu. Em outras palavras, dado o retrospecto, não era de esperar que Denise revelasse o envolvimento do governo em favor dos interessados em ficar com a Varig - clientes do advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Lula. Um deles, Marco Antônio Audi, informou ao Estado ter pago US$ 5 milhões por seus serviços. ¨Sua influência foi cem por cento decisiva¨, assinalou.
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O fato é que o caso já não se resume a uma palavra contra outra. Tirando o gás das negativas da ministra, três outros ex-diretores da Anac - Leur Lomanto, Jorge Velozo e Josef Barat - confirmaram a versão da antiga colega. ¨Não sei se chamaria isso de pressão, mas o problema é que queriam culpar a Anac pela quebra da Varig¨, apontou Lomanto. ¨Acho que os advogados, os representantes da empresa, informavam algo ao Planalto, mas a realidade era outra. Eles não cumpriam as exigências.¨ Velozo, de seu lado, disse acreditar que ¨o Planalto tenha se mobilizado para acelerar o caso Varig¨. Segundo ele, a Anac também achava que o processo tinha que andar. ¨Mas dentro da legalidade e da segurança.¨ Por fim, Barat não tem a menor dúvida sobre a intromissão do Planalto: ¨O que aconteceu foi um exemplo bem didático de como não se deve agir com uma agência reguladora.¨ Nem tampouco com outras instituições envolvidas, como se verá.
Ao se opor à intenção da diretora Denise Abreu, de exigir que os sócios brasileiros do fundo Matlin Patterson demonstrassem a origem dos seus recursos - alegando que neste país é muito comum as pessoas sonegarem -, a titular da Casa Civil afirmou que essa providência cabia ao Banco Central e à Receita. Por via das dúvidas, Denise pediu um parecer ao procurador-geral da Anac, João Elídio. No mesmo dia ele se manifestou, concordando com a ministra. O procurador teria dito a Denise que foi pressionado. Ele estava hospitalizado quando recebeu um telefonema da secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra. ¨O que eu soube¨, relatou a ex-diretora, ¨é que ele teria saído do hospital e ido a uma reunião na Casa Civil. Pouco depois, emitiu seu parecer.¨
O longo braço do Planalto alcançou também, com uma violência assombrosa, o então procurador-geral da Fazenda Nacional, Manoel Felipe Brandão. Contrariando a posição do governo, ele não admitia a possibilidade de os novos donos da Varig não herdarem as suas dívidas. ¨Em poucos dias¨, lembra Denise, ¨ele saiu da Procuradoria¨, sendo substituído pelo procurador Luís Adams. ¨Aí foi emitido um parecer garantindo que não havia sucessão de dívidas.¨ Era o que queriam os clientes brasileiros de Roberto Teixeira (na mesma linha, aliás, do juiz Luiz Roberto Ayub, responsável pelo processo de recuperação judicial da Varig e cujas decisões causavam espécie).
Diante de tantas evidências a ministra Dilma só conseguia repetir sete vezes - o número do mentiroso - que são todas falsas.
Só perdeu a calma uma vez, quando lhe fizeram uma pergunta sobre a amizade entre Lula e Roberto Teixeira.