Uma estaca contra a nova CPMF 14/06/2008
- O Estado de S.Paulo
Exumado seis meses depois do sepultamento, o imposto sobre o cheque, agora renomeado como Contribuição Social para a Saúde (CSS), ainda poderá ser mandado de volta à cova pelos senadores. Na Câmara, houve apenas dois votos a mais do que o número necessário para a aprovação da nova CPMF, embora os partidos governistas formem oficialmente uma folgada maioria. No Senado, onde há maior equilíbrio de forças, a irresponsabilidade cometida por 259 deputados será provavelmente corrigida, se houver um mínimo de empenho dos parlamentares mais sérios. Se estes falharem, o governo e a companheirada gastadora terão mais uns R$ 10 bilhões ou R$ 11 bilhões para moer com a prodigalidade costumeira.
Mais dinheiro para gastar livremente: é este o objetivo principal da ressurreição da CPMF. Segundo o projeto aprovado na Câmara, todo o dinheiro obtido com esse tributo será destinado à saúde. Com isso sobrará uma soma equivalente, no Orçamento-Geral da União, para governo e aliados aplicarem como quiserem - e o padrão de gasto resultante dessa aliança é bem conhecido dos contribuintes.
O governo, como foi demonstrado muitas vezes, não precisava de mais dinheiro para os programas de saúde. Ainda assim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou dos parlamentares a indicação de uma fonte de financiamento. Segundo os porta-vozes do Planalto, os gastos com a saúde aumentariam, se fosse convertido em lei o projeto de regulamentação da Emenda Constitucional nº 29. Esse argumento referia-se ao texto aprovado no Senado e em seguida submetido à Câmara. Essa alegação, já insuficiente para justificar a recriação da CPMF, perdeu todo o sentido com a modificação do projeto afinal submetido aos deputados.
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Na versão modificada, foi restabelecida a regra original e ainda em vigor. A verba destinada à saúde será corrigida anualmente de acordo com a variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB), isto é, sem desconto da inflação. Até aí, nenhuma novidade. Segundo o novo texto, no entanto, a esse valor será acrescido o montante arrecadado com a CSS.
Mas, se a regra de correção pelo PIB nominal foi mantida, para que foi instituída a contribuição? Sem mudança na correção da despesa, o único argumento disponível para o governo - e já contestável quando se referia ao projeto originário do Senado - esvaziou-se completamente, como um balão furado.
Em outras palavras: a atualização do gasto com a saúde continuará baseada no critério em vigor, mas, apesar disso, o governo e sua base insistem na criação da CSS. Insistem porque insistem, isto é, porque desejam mais dinheiro para gastar. O esvaziamento da alegação original não importa, porque essa alegação, como sabia qualquer pessoa sensata, era um palavrório para constar. Não sobrou nem o disfarce.
Para conseguir apoio a mais essa aberração, o relator do projeto ofereceu facilidades aos governos estaduais, diminuindo a base de cálculo de seus gastos obrigatórios com a saúde. Além disso, para dar um tom politicamente correto à lambança, os deputados concederam ¨isenção¨ do tributo a quem ganha até R$ 3.038,99, valor correspondente ao teto dos benefícios previdenciários.
Essa ¨isenção¨ é apenas um presentinho de valor limitado. Esses trabalhadores ficarão livres do tributo incidente sobre seus cheques, mas, como todos os demais brasileiros, pagarão a CSS embutida no preço de todos os produtos comprados. O benefício, no entanto, foi alardeado como se a maioria dos assalariados ficasse de fato liberada do imposto. Foi apenas uma entre as muitas mistificações concebidas pelos aliados do governo nessa aventura.
Além de ser desnecessária, a CSS é um tributo de baixa qualidade, por incidir em cascata e por ser tecnicamente uma aberração: não tributa o rendimento, nem o patrimônio, nem o consumo, mas a mera transferência de dinheiro. É um exemplo dificilmente imitável de teratologia fiscal, tão ruim quanto a CPMF. Também não é justificável como instrumento de fiscalização, porque a Receita Federal já dispõe de outros meios para acompanhar a movimentação das contas bancárias. Além do mais, não há garantia contra a elevação da alíquota, por enquanto fixada em 0,10%. Se o governo quiser aumentá-la, haverá parlamentares dispostos a apoiar a iniciativa. Cabe aos senadores sensatos cravar a estaca no vampiro redivivo.