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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

O discurso eleitoral
15/06/2008 - Gaudêncio Torquato*

Pois é, as soluções para a maior metrópole do País começam a ganhar ensaios experimentais. Marta Suplicy, que assumiu o Ministério do Turismo do governo Lula garantindo não mais se candidatar à Prefeitura de São Paulo, já iniciou o périplo pelas ruas anunciando a primeira promessa: dar um ¨choque de gestão¨ no trânsito, acenando com o surrado refrão ¨gente que faz¨. Geraldo Alckmin critica a cidade escura e, incrível, aperta a mesma tecla do ¨choque¨. O prefeito Gilberto Kassab usará como cenário a Cidade Limpa. Paulo Maluf, que pretende se candidatar pela quinta vez ao cargo, tira do bolso do colete a receita milagrosa: construir uma laje sobre os Rios Tietê e Pinheiros e abrir oito pistas nas congestionadas marginais. No arremate, acena com a conclusão da obra em quatro anos, coincidindo com o final do mandato. Para a promessa não soar falsa o eterno candidato antecipa o prazo: a obra será entregue em três anos.

Vingará, este ano, o discurso salvacionista, emoldurado pela arquitetura de maquetes e por arranjos estéticos que impactam os telespectadores? Qual será o discurso de milhares de candidatos aos 5.564 postos de prefeito no País?

As abordagens obedecerão às lógicas das cidades, incorporando demandas e circunstâncias temporais. Candidatos à reeleição mostrarão feitos e seus indicados argumentarão com a idéia de continuidade. Oposicionistas tentarão desconstruir a obra situacionista, no intuito de expor um diferencial. Ao lado do adjetivo de desqualificação de adversários, buscarão idéias para chamar a atenção. A improvisação jorrará, podendo-se esperar uma torrente de propostas exóticas. Veremos um desfile de nomes fantasia, ovos de Colombo e equações sem nexo dentro de um pacote de mirabolâncias. Teremos, ainda, um desfile de candidatos de ¨ficha suja¨, que transitam pelas barras dos tribunais. Por ainda não terem sido condenados em instância final, poderão submeter-se ao crivo das urnas, apesar da defesa do ¨princípio da moralidade¨, contrário a candidaturas com problemas na Justiça. Esta posição foi, infelizmente, vencida em recente decisão do TSE. Porém o sistema de percepção do eleitor consegue, hoje, diferenciar gato de lebre.


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O discurso eleitoral será previsível. Apesar da diversidade regional, o conjunto urbano padece dos mesmos problemas, a partir da expansão da violência e da precariedade dos sistemas de transportes, saúde, habitação, saneamento e educação, entre outros. As mensagens abrigarão similitude, principalmente se considerarmos que, dos 81% da população brasileira que vivem em cidades, cerca de 30% estão em nove metrópoles. As cidades incharam. Em 1940, a população das cidades era de 18,8 milhões. Entre os anos 80 e 90, a taxa de crescimento demográfico superou a do crescimento do PIB, acarretando forte impacto social e ambiental e expandindo a desigualdade. De lá para cá os problemas se agigantaram. O desempenho dos alcaides ganhou certa eficiência a partir de maior controle social. Mas a oferta de serviços não acompanhou a expansão das demandas. A violência retrata a explosão das cidades. Em 1980, a taxa de homicídios por mil habitantes era de 11,4, subindo em 2006 para 27, o que deixa o País no quarto lugar do ranking mundial.

O chamado Estatuto da Cidade, ferramenta criada no início da década de 90 por projeto de lei federal para combater a desigualdade social e territorial, é um oceano de distância entre teoria e prática. Certas metrópoles estão à beira do caos. O trânsito na maior cidade do País, com a absorção de mil novos veículos a cada dia, aponta nessa direção. Na Grande São Paulo há cerca de 8 milhões de automóveis para servir a uma população de 17 milhões de pessoas. Portanto, a deficiência do sistema de serviços se espraia, demandando recursos cada vez mais volumosos e sempre insuficientes. Ao lado da estampa da deterioração urbana, explodem flagrantes de desmandos, ilícitos, casos mal explicados envolvendo máfias, consórcios empresariais e funcionários públicos. Neste momento, a angústia do citadino se cruza com o olho apurado sobre a malversação do dinheiro público, tornando mais exacerbado seu senso crítico. Esta é a carga psicológica que influenciará imensa fatia do eleitorado.

O sistema decisório de importante parcela eleitoral será influenciado pelo distributivismo do governo Lula. Vale lembrar que cerca de 20 milhões de brasileiros migraram da classe D para a classe C. Esse processo age sobre a engenharia emocional dos indivíduos, na medida em que lhes proporciona novos parâmetros de vida, gerando reflexos na percepção dos atores políticos. A classe média é sempre mais exigente. Analisa, compara, distingue entre versão e verdade. Portanto, os candidatos deverão preocupar-se com a consistência de propostas. Quando o eleitor tem dúvidas sobre a viabilidade de uma idéia, acaba desqualificando o autor. Freqüentemente se vê às voltas com o fenômeno da ¨dissonância cognitiva¨, confusão entre ficção e realidade. Há um exemplo na campanha de Marta Suplicy, em 2004, contra José Serra, para a Prefeitura paulistana. Embalada no sucesso dos centros educacionais, a candidata prometeu algo idêntico para o setor de saúde, considerado ponto fraco. No programa eleitoral, via-se imensa maquete branca, que se fundia, em truque de edição, com moderníssimo hospital. A dissonância se instalou quando o telespectador percebeu a pirotecnia da promessa. Anteriormente, havia apostado no fura-fila de Celso Pitta, ¨vendido¨ por meio de imagens cinematográficas feitas na Alemanha.

O eleitor, hoje, é mais propenso a rejeitar idéias estapafúrdias. Não entram mais em sua cachola projetos do tipo aeroporto para alienígena, extravagância de um candidato em Mato Grosso. Outro, no Ceará, prometeu pintar a cauda dos animais de amarelo fluorescente para evitar atropelamentos. Até pode haver eleitor que ainda se encante com ilusionismo. Mas a eficácia do discurso urbano deve conter uma vacina contra bobagem.

...

*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político

  

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