A nova crise da TV Pública 23/06/2008
- O Estado de S.Paulo
Três meses depois da demissão do jornalista Luiz Lobo, editor-chefe do primeiro e único programa que a TV Pública conseguiu produzir desde sua inauguração, em dezembro de 2007, surge nova crise por razões políticas. Desta vez foram dois os demissionários. O primeiro foi o diretor-geral, escritor e cineasta Orlando Senna, por discordar dos ¨modelos de gestão¨ adotados pelos jornalistas que ocupam os principais cargos de direção na emissora. A maioria é vinculada ao ministro da Comunicação Social, Franklin Martins.
Além de Senna, que ficou apenas oito meses no cargo, também pediu demissão o diretor de Relacionamento e Rede da TV Brasil, Mário Borgneth, que era responsável pelas negociações com as emissoras educativas estaduais para a formação da rede pública de televisão. Os dois propunham a aquisição de produtos e programas entre produtores independentes para compor a grade da TV Pública, alegando que a medida é necessária para assegurar ¨uma comunicação pública plural, isenta, inteligente, interativa e formadora de cidadania¨, enquanto o grupo de jornalistas vinculados ao ministro da Comunicação Social defende a produção de programação regional.
Em nota endereçada aos ¨companheiros da atividade audiovisual¨, Senna afirmou que a TV Brasil ¨concentra poderes excessivos na presidência executiva, engessando as instâncias operacionais que necessitam de autonomia executiva para produzir em série, como em qualquer TV¨. A presidência da emissora é exercida pela jornalista Tereza Cruvinel, que durante anos trabalhou com Franklin Martins na sucursal da Rede Globo, em Brasília.
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As crises que a TV Brasil vem enfrentando em sua curta existência de sete meses apenas confirmam o que mais se temia à época de sua criação: o risco de ser instrumentalizada politicamente, convertendo-se numa emissora chapa branca cuja única finalidade seria fazer propaganda do governo e servir de palanque eletrônico para o presidente da República e para seus ministros. Ao ser demitido, no início de abril, o jornalista Luiz Lobo acusou o Palácio do Planalto de tentar interferir na produção do noticiário jornalístico, proibindo expressamente a utilização da palavra ¨dossiê¨ no caso do ¨levantamento¨ feito na Casa Civil sobre os gastos com cartões corporativos no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
¨Há um cuidado que vai além do jornalístico¨, disse Lobo em entrevista ao deixar o cargo, depois de lembrar que todos os textos da TV Brasil sobre Lula, sobre política e sobre economia tinham de passar pelo crivo de uma jornalista que é casada com um dos assessores de imprensa do presidente da República. ¨É ela quem edita. Existe um poder dentro daquela redação. Eu era editor-chefe, mas perdi a autonomia até para fazer as manchetes do telejornal. Não podíamos falar em ?dossiê?, mas em ?levantamento? sobre o uso dos cartões. E, nas reportagens sobre a dengue, a orientação era para informar que a epidemia decorria de cortes orçamentários resultantes do fim da CPMF, cuja derrubada tinha sido vitória da oposição¨, afirmou. Segundo ele, a idéia era eximir o governo de responsabilidade em matéria de deficiências de saúde pública.
O Conselho Curador da TV Brasil se comprometeu a apurar as acusações, mas até agora não chegou a qualquer conclusão, o que não causa estranheza. Com a nova crise na emissora, vai ficando evidente o que disse outro jornalista que também trabalhou na cúpula do governo do presidente Lula. Trata-se de Eugênio Bucci, que presidiu a Radiobrás durante cinco anos e há dois meses publicou um livro no qual também conta como foi pressionado por assessores do presidente da República para enviesar ideologicamente o noticiário. ¨Na era do marketing, governar é fazer campanha eleitoral permanente, é fazer publicidade de obras a inaugurar, recém-inauguradas ou nem mesmo existentes¨, disse ele, depois de explicar por que não se afastou do cargo assim que começou a ser pressionado. ¨Tinha um trabalho e não iria abandoná-lo às hienas, aos oportunistas reconvertidos à utilidade pública da Voz do Brasil.¨
A nova crise da TV Pública apenas confirma as expectativas daqueles que, como nós, nunca acreditaram em isenção em redações de órgãos oficiais de comunicação controladas discricionariamente pelo ministro da Comunicação.