Outro Ministério dispensável 31/07/2008
- O Estado de S.Paulo
O presidente Lula quer fazer crer que existe uma relação necessária de causa e efeito entre a criação de uma Pasta para determinado setor e o seu desenvolvimento. Foi o que ele alegou para justificar a medida provisória assinada terça-feira, em Salvador, que transforma a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca em Ministério.
Na esmagadora maioria das vezes, trata-se de um pretexto para acomodar pressões de grupos econômicos e alargar o espaço para o loteamento político da administração federal, quando não para fazer agrados pessoais à custa do contribuinte.
Por exemplo, com a Secretaria de Ações de Longo Prazo, depois mudada para Secretaria de Assuntos Estratégicos e, enfim, alçada a Ministério, o presidente atendeu a um pedido do vice José Alencar, que desejava encaixar no governo o pragmático filósofo Roberto Mangabeira Unger, seu correligionário.
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O fato é que Brasília hospeda uma profusão de órgãos cujos titulares, secretários com status de ministro ou ministros propriamente ditos, só muito raramente conseguem despachar com o chefe.
E a única certeza que se tem quando uma Secretaria sobe um degrau no organograma do poder é que o seu aparelhamento se expandirá.
No caso da Pesca, o número de funcionários e detentores de cargos de confiança duplicará, passando de 200 para 400.
Isso ainda seria uma gota de água, não tivesse o presidente mencionado que a nova Pasta, cujo orçamento também dobrará, dos atuais R$ 250 milhões para R$ 500 milhões, ¨pode ter superintendências em cada Estado¨, o que se traduzirá em cardumes de cargos com funções gratificadas.
E que ninguém se iluda com o ¨pode¨: as tais superintendências serão inexoráveis, por multiplicar os empregos a serem rateados com a mais enxundiosa base aliada que já se viu neste país.
Dias atrás, a propósito, o deputado Arnaldo Madeira, do PSDB paulista, divulgou um levantamento segundo o qual os Poderes da União já criaram este ano mais de 56 mil vagas (das quais 7,9 mil a serem preenchidas sem concurso).
Na área pública, cada novo posto de trabalho é um ponto a mais a ligar os aglomerados de interesses que nela se entranham e cuja razão de ser, em última análise, é a própria perpetuação.
Mas isso é de uma irrelevância a toda prova para o núcleo dirigente cujos cálculos de conveniência passam pela colonização da estrutura estatal.
Naturalmente, os governantes mais espertos sempre têm a oferecer uma rationale para a expansão da cúpula do sistema.
A do presidente Lula, agora, é que um Ministério é imprescindível para gerir o anunciado Plano Nacional de Desenvolvimento da Pesca e Aqüicultura, que pretende aumentar a produção anual de pescado de 1 milhão de toneladas para 1,4 milhão em 2011.
Quarenta reservatórios de água da União, como lagos e barragens, serão concedidos a pequenos produtores para a criação de pescado em cativeiro.
¨Da mesma forma que fizemos a reforma agrária na terra, vamos fazer agora a reforma aquária nas águas¨, prometeu Lula, sempre à vontade com as palavras.
Falando ¨como pescador¨ - como se o hobby o tivesse transformado num especialista em piscicultura -, ele fez outra promessa: a de incentivar a criação do piraju (dourado) para concorrer com o salmão chileno no País.
Lula considera ¨uma vergonha¨ o Chile pescar o dobro do Brasil, embora tenha menos de 7% da população nacional, sem esclarecer qual o nexo entre as duas coisas.
Mais séria, ou pelo menos assim é de desejar, soou a iniciativa de criar a Embrapa Aqüicultura, com a instalação de uma dezena de centros de pesquisa.
A estatal fez ¨uma revolução na agricultura nos últimos 30 anos¨, lembrou Lula.
Segundo ele, o Ministério mudará a situação crônica em que ¨nem a pesca empresarial nem a artesanal são competitivas no Brasil porque nunca receberam uma decisão do Estado para criar condições para que a pesca artesanal vire moderna ou a empresarial fique competitiva como a dos japoneses e peruanos¨.
É de estranhar que somente seis anos depois de chegar ao governo tenha decidido ¨criar condições¨ para tanto.
A julgar pelo retrospecto em outros setores, nada assegura que as condições a que Lula se referiu exijam a invenção de mais um Ministério - fadado a ser penduricalho, quando o presidente não administra as suas prioridades.