Muitas incógnitas no preço dos alimentos 15/08/2008
- Washington Novaes*
Saldos negativos nas contas externas do País nos últimos meses começam a acender luzes de advertência, seja porque aumentam as remessas de lucros e dividendos (maiores que os investimentos) e as saídas nas contas financeiras, seja porque no primeiro semestre deste ano o déficit externo foi o maior desde 1947 e o saldo comercial, inferior em 44,8% ao de igual período do ano passado.
A dívida externa volta a superar os US$ 200 bilhões, a dívida líquida do setor público se mantém acima de 40% do PIB e os juros pagos no semestre (R$ 74,8 bilhões) pela dívida interna de R$ 1,239 trilhão equivalem a mais de seis meses de despesas com o maior programa social do governo federal, o Bolsa-Família.
Uma das luzes foi acesa pelo próprio ministro das estratégias federais, ao dizer que será difícil sair desse quadro em que o comércio exterior é muito afetado pelos cartéis de compradores de nossos produtos e fornecedores de insumos, principalmente na agricultura (Folha de S.Paulo, 6/8), embora nossas vendas ao exterior não passem de 1,2% do total mundial.
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Em todo o quadro, assume destaque progressivo a questão do preço dos alimentos, principalmente pela influência nos índices internos de inflação e na própria oferta interna de alguns bens. O presidente da República, porém, em abril último achava (Estado, 26/4) que ¨a crise na oferta de alimentos é passageiras, não é coisa perigosa¨. Será mesmo? Quando se olha o conjunto de causas que estão empurrando para cima o preço dos alimentos e de commodities, sobrevêm muitas dúvidas. Ali se juntam a alta de preços de fertilizantes e dos combustíveis, o aumento da demanda por alimentos, principalmente na Ásia, e a migração de parte dos fundos financeiros para o mercado de commodities, assustados com as crises sucessivas na área do dinheiro.
No setor dos fertilizantes, por exemplo, este jornal lembrou em editorial (21/7) que o governo parecia perdido em meio a altas de 91% no preço do potássio importado, 75% no do nitrogênio e 61% no do fosfato; só produzimos 9 milhões de toneladas das 24,5 milhões consumidas em 2007. O ministro da Agricultura responsabilizava o ¨oligopólio dos fertilizantes¨ e a falta de investimentos nossos no setor. O preço de adubos está dobrando em relação à safra anterior, registrou o caderno Agricultura (30/6). Mas não somos os únicos prejudicados. Segundo a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), da ONU, nos países ditos em desenvolvimento os gastos com alimentos representam de 60% a 80% dos gastos totais. As importações de alimentos no mundo chegam este ano a US$ 1 trilhão (US$ 215 bilhões mais que no ano anterior). Aqui, diz o Dieese, os preços dos alimentos subiram 30,83% entre julho do ano passado e maio deste ano, com destaque para o feijão (105%).
A influência dos mecanismos externos na formação de preços pode ser avaliada pela informação de que a Bolsa de Chicago, em 2007, negociou 7,3 bilhões de toneladas de milho, 4,3 bilhões de toneladas de soja e 2,7 bilhões de toneladas de trigo - mais de dez vezes além da produção real no ano. O mercado futuro, diz noticiário recente, chega a girar 22 safras equivalentes de soja por ano; os fundos de investimentos, oito safras. As aplicações podem entrar e sair a qualquer momento, sem relação com os fatores diretos de produção.
Não é preciso gastar muito espaço com a escalada dos preços dos combustíveis. Já a influência do aumento da demanda nos preços dos alimentos se revela na informação de que em uma década 400 milhões de asiáticos se incorporaram ao mercado consumidor. A China urbanizou 200 milhões de pessoas em pouco mais de duas décadas, tem planos para urbanizar mais 300 milhões (o presidente do nosso Banco Central chegou a dizer recentemente que o ataque à inflação no mundo e no País depende de a China conter sua demanda por commodities). Em seus relatórios sobre o desenvolvimento humano, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento tem dito que, se todas as pessoas no mundo consumissem como norte-americanos, europeus ou japoneses, precisaríamos de mais dois ou três planetas como a Terra para suprir os recursos e serviços naturais necessários ao aumento da produção.
Que se vai fazer? A Argentina, com o governo em conflito com produtores, tentou contingenciar exportações, controlar preços de combustíveis e o câmbio. A Venezuela , por decreto, dá ao governo poderes para intervir na produção e distribuição de alimentos, na formação de preços, na estocagem de produtos, na exportação e importação de produtos agrícolas, até na distribuição. Aqui, por ora, limitamo-nos a mais uma vez a renegociar dívidas (R$ 75,5 bilhões) e perdoar juros dos produtores rurais. No preço dos alimentos no mercado interno, esse caminho provavelmente pouca influência terá, já que nessa área a participação decisiva é da agricultura familiar (que terá R$ 12 bilhões), com 70% da produção (56% no leite, 67% no feijão, 89% na mandioca, 70% nos frangos, 75% na cebola), em 4,1 milhões de propriedades rurais.
Vamos seguir, por causa da alta dos alimentos, a receita clássica do Fundo Monetário Internacional (FMI), de redução dos gastos públicos, inclusive em setores fundamentais como saúde e educação? A conceituada revista inglesa New Scientist (26/7) joga água nessa fogueira, citando estudo da Universidade de Cambridge. Segundo esta, a taxa de mortalidade por tuberculose subiu muito em 21 países da Europa Oriental e Central que se dispuseram a aplicar desde 1989 programas do FMI para conter a inflação. Essa taxa, que era de seis mortos por 100 mil habitantes, aumentou 16%, enquanto a taxa de pessoas atingidas pela doença subiu 13% após a redução de gastos na saúde. O FMI contesta.
É um bom alerta, de qualquer forma.
Parece estar chegando o momento em que vamos ter de tomar decisões mais radicais e de resultados mais rápidos na área da inflação.
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*Washington Novaes é jornalista - E-mail: wlrnovaes@uol.com.br