Momento decisivo para o Terceiro Setor 28/08/2008
- Marcelo Rocha*
Está cada vez mais presente em toda a sociedade brasileira o debate em torno da necessidade de o Terceiro Setor se profissionalizar e adotar instrumentos de gestão que possibilitem mais transparência e eficiência no trato dos recursos - sejam eles provenientes do poder público ou de investidores sociais privados.
As recentes - e cada vez mais recorrentes - denúncias de irregularidades, com menção expressa às genérica e impropriamente denominadas organizações não-governamentais (ONGs), que culminaram na instauração da CPI das ONGs no Congresso Nacional, deixam evidente o descompasso existente entre a profissionalização alcançada nos últimos anos pelos investidores sociais privados, com a incorporação de conceitos de responsabilidade socioambiental, liderada pelos institutos e fundações vinculados a grandes empresas, e a ainda baixa profissionalização de boa parcela das entidades do Terceiro Setor. Esse abismo produz conseqüências ruins para todos, mas especialmente negativas para as organizações não-governamentais que trabalham sério, as quais têm de se desvencilhar da imagem de um setor sob suspeição da sociedade, e ainda sofrem com a redução do nível de investimento social, resultado da desconfiança generalizada dos investidores em relação à real capacidade de resposta profissional das ONGs e ao adequado destino de seu investimento.
Para que ocorra uma alteração nesse cenário se impõe uma profunda mudança na mentalidade dos diversos atores ligados ao Terceiro Setor. Ainda existem muitas ONGs que acreditam que a legitimidade da causa legitima qualquer conduta. O resultado dessa crença é uma recusa intransigente à adoção de qualquer instrumento para mensurar o desempenho das atividades da entidade, algo inaceitável para a sociedade e para os investidores sociais, que querem - e devem - acompanhar de perto os resultados dos investimentos que apóiam. Também o estabelecimento de metas claras e bem definidas ainda não é, infelizmente, uma realidade. É importante salientar que não se trata de reproduzir a lógica de mercado no Terceiro Setor, mas de buscar a melhor destinação para os recursos, com respeito principalmente ao público beneficiado pelo investimento e ao financiador. Em muitos casos, ainda, as boas intenções e as nobres causas são atropeladas pela excessiva vinculação político-partidária de diversas ONGs, o que lhes tolhe a independência crítica e o distanciamento necessário a seu fim.
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O resultado disso tudo é o afastamento do investidor social privado - cujos institutos e fundações seguem os conceitos da boa governança corporativa - das entidades do Terceiro Setor, em grande parte despreparadas para lidar com as exigências de transparência e boas práticas de gestão. Dessa maneira, as ONGs se tornam excessivamente dependentes de recursos públicos. E isso nem sempre é positivo, já que muitas vezes abre janelas para o surgimento de entidades assentadas apenas em relações políticas, que oscilam entre períodos de grande atividade e outros de hibernação, ao sabor do mandato dos partidos políticos aos quais são ligadas. Isso para não falar acerca das brechas que daí decorrem e favorecem condutas desviadas de sua finalidade.
Diante disso, são poucas as organizações não-governamentais realmente independentes. Pelo fato de receberem recursos públicos, muitas dessas entidades se sentem pouco à vontade para questionar políticas de governo, o que é um enorme equívoco. O Terceiro Setor deve ter autonomia para participar, de modo independente, da discussão das políticas de Estado, com toda a sociedade brasileira, acerca do modelo de nação que queremos ser. Essa pluralidade é fundamental para o avanço dessa discussão.
Uma das ferramentas mais interessantes surgidas nos últimos anos para promover a adoção das melhores práticas de gestão entre as ONGs foram as certificações, em processo similar ao que vem ocorrendo com as empresas desde os anos 90. Para receber essas certificações as entidades passam por rigorosas auditorias, que avaliam diversos aspectos de sua gestão: conselho de administração, estrutura estratégica, administração de integridade, comunicação e imagem, recursos humanos, levantamento de fundos - alocação de recursos e controle financeiro -, operações, resultados e melhoria contínua. É um processo que contribui para separar o joio do trigo e ajuda sobremaneira na profissionalização das entidades.
Nesse cenário - de profissionalização do investidor social privado -, é importante que os gestores de projetos sociais na administração pública acompanhem esse movimento na relação com as ONGs. Nesse sentido, salvo as exceções previstas em lei, parece natural que a contratação de entidades do Terceiro Setor por governos seja, necessariamente, precedida de licitação. O processo licitatório, além de assegurar o respeito a princípios constitucionais fundamentais na relação do Estado com a cidadania, permite a seleção de propostas e projetos segundo critérios objetivos. E, acima de tudo, reduz a influência política no processo de seleção e afasta as entidades que não reúnam condições para prestar os serviços de forma adequada. Dessa maneira, iniciativas do Legislativo brasileiro que venham impor a obrigatoriedade de realização de licitação como condição para a contratação de ONGs pela administração pública, em todas as esferas de poder, devem merecer todo o apoio da cidadania.
Enfim, profissionalização, compromisso com resultados, certificação por meio de auditorias independentes, autonomia crítica e seleção em bases legais parecem ser o início do caminho para o Terceiro Setor resgatar o respeito e a admiração da sociedade.
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Marcelo Rocha é presidente da Associação Horizontes - Site: www.ah.org.br