capa | atento olhar | busca | de última! | dia-a-dia | entrevista | falooouu
guia oficial do puxa-saco | hoje na história | loterias | mamãe, óia eu aqui | mt cards
poemas & sonetos | releitura | sabor da terra | sbornianews | vi@ email
 
Cuiabá MT, 23/11/2024
comTEXTO | críticas construtivas | curto & grosso | o outro lado da notícia | tá ligado? | tema livre 30.936.143 pageviews  

Tema Livre Só pra quem tem opinião. E “güenta” o tranco

O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Demarcação de terras particulares
19/09/2008 - Cícero Alves da Costa*

O legislador constitucional estabeleceu prazo de cinco anos a partir da promulgação da Carta Magna (5 de outubro de 1988) para que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, no Brasil, fossem demarcadas por seu proprietário, ou seja, a União Federal. Aliás, as expressões terras indígenas ou terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são sinônimas e identificam as terras da União que são ocupadas ou habitadas presente e permanentemente pelos indígenas.

A conceituação jurídica está estampada no inciso I do artigo 231 da Constituição federal, nos seguintes termos: ¨São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.¨

As terras indígenas, note-se bem, são identificadas pela somatória de quatro elementos: habitação, utilização, imprescindibilidade e necessidade. Logo, as terras desabitadas ou não ocupadas por índios não são utilizadas, não são imprescindíveis, muito menos são necessárias. Na ausência de um só desses elementos, a terra jamais será indígena. Por isso a posse indígena exige a habitação ou a ocupação dos índios, presente e permanente. É por isso que a posse indígena está regulamentada na Constituição, e não no Código Civil.


PUBLICIDADE


Já as terras particulares ou privadas são identificadas pelo domínio particular, isto é, pelo simples registro ou matrícula imobiliária. A posse civil não exige a habitação ou ocupação presente e permanente do possuidor. As diferenças mostram que as terras indígenas jamais se confundem com as terras particulares.

Esses esclarecimentos são necessários, pois fazem entender o motivo que leva a Fundação Nacional do Índio (Funai) a demarcar terras particulares. Tudo começa no desvio de finalidade do Decreto 1.775/96, o qual constitui norma programática que regulamenta, orienta e legitima o procedimento demarcatório de terras públicas indígenas da União. Esse decreto não se presta a demarcar terras particulares. A Funai, todavia, o utiliza e promove processo administrativo que demarca tanto terras públicas indígenas da União quanto terras particulares. E o Ministério Público Federal apóia esse modus operandi.

O uso do decreto para demarcar terras públicas indígenas da União constitui instrumento legítimo e constitucional. Não o é, contudo, para demarcar terras particulares. O procedimento demarcatório de terras indígenas para demarcar terras particulares não tem previsão na lei. O ato causa lesão grave e dano de difícil e incerta reparação ao proprietário de terras particulares. Afronta a segurança jurídica. Causa danos ao Estado de Direito.

No Estado de Mato Grosso do Sul (MS) são inúmeras as terras particulares que estão sendo demarcadas como terras indígenas. Esse ¨método¨ é danoso aos direitos e garantias fundamentais. E virou moda em todo o Brasil.

Antropologicamente, a Funai estuda as terras particulares como terras indígenas da União. No final do estudo, o órgão federal de assistência ao índio elabora um relatório antropológico em que identifica, delimita e declara a ocupação indígena em terras particulares. A ocupação indígena declarada se fundamenta na posse indígena pretérita. Logo, as terras identificadas e delimitadas não são indígenas. São terras particulares. A ocupação indígena pretérita declarada unilateralmente, e não a ocupação indígena presente exigida pela Constituição, transforma terras particulares em terras indígenas.

Esse é o ¨detalhe¨ que ninguém vislumbra. Ninguém enxerga. Nem mesmo o Poder Judiciário federal. A ocupação indígena pretérita dá aparência de legalidade ao processo demarcatório contra terras particulares. Ninguém se dá conta da ilegalidade! O Poder Judiciário federal de primeira e segunda instâncias tem dito sistematicamente que o ato é meramente declaratório. O que não é verdadeiro. O ato declaratório é constitutivo de direito. A União torna-se proprietária das terras particulares que o órgão federal de assistência ao índio declara de ocupação indígena e demarca como terras indígenas.

Definitivamente, quando a Funai declara a ocupação tradicional de índios em terras particulares, e o que é pior, baseado em conceito antropológico de posse indígena imemorial, pretérita e temporária, e não no conceito constitucional da posse indígena presente e permanente, o resultado é desastroso. Típico caso de confisco de terras particulares. A reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, constitui o exemplo clássico atual. Panambi (MS), o exemplo clássico passado.

Sem ordem judicial a Funai não tem competência sequer para estudar terras particulares, quanto mais declará-las terras de ocupação indígena. A ilegalidade salta aos olhos. Só o Poder Judiciário tem competência para transformar terras particulares em terras públicas indígenas. Jamais o presidente da República, por decreto. O processo de demarcação de terras indígenas contra terras particulares não constitui o devido processo legal. Não há norma que legitime o procedimento demarcatório de terras indígenas contra terras particulares.

Bem por isso o assunto aqui tratado pode ser resolvido por meio das seguintes assertivas: o órgão federal de assistência ao índio não pode demarcar terras das quais nem ele nem a União são proprietários; a demarcação de terras indígenas contra terras particulares constitui modo ilegal de aquisição da propriedade imóvel particular pela União. Por isso, o órgão federal de assistência ao índio é parte manifestamente ilegítima para demarcar terras particulares.

...

Cícero Alves da Costa é advogado em Dourados (MS). E-mail: advocaciacosta@terra.com.br

  

Compartilhe: twitter delicious Windows Live MySpace facebook Google digg

  Textos anteriores
14/08/2023 - NONO NONO NONO NONO
11/08/2023 - FRASES FAMOSAS
10/08/2023 - CAIXA REGISTRADORA
09/08/2023 - MINHAS AVÓS
08/08/2023 - YSANI KALAPALO
07/08/2023 - OS TRÊS GARÇONS
06/08/2023 - O BOLICHO
05/08/2023 - EXCESSO DE NOTÍCIAS
04/08/2023 - GUARANÁ RALADO
03/08/2023 - AS FOTOS DAS ILUSTRAÇÕES DOS MEUS TEXTOS
02/08/2023 - GERAÇÕES
01/08/2023 - Visitas surpresas da minha terceira geração
31/07/2023 - PREMONIÇÃO OU SEXTO SENTIDO
30/07/2023 - A COSTUREIRA
29/07/2023 - Conversa de bisnetas
28/07/2023 - PENSAR NO PASSADO
27/07/2023 - SE A CIÊNCIA NOS AJUDAR
26/07/2023 - PESQUISANDO
25/07/2023 - A História Escrita e Oral
24/07/2023 - ESTÃO ACABANDO OS ACREANOS FAMOSOS

Listar todos os textos
 
Editor: Marcos Antonio Moreira
Diretora Executiva: Kelen Marques