O tiroteio na batalha final 28/09/2008
- Gaudêncio Torquato*
As campanhas eleitorais, regra geral, se dirigem a dois tipos de públicos: eleitores interessados na política, racionais, com intenção de voto definida; e grupamentos dispersos, desinformados, instáveis e emotivos.
Os primeiros se interessam pelos discursos de seus candidatos, sendo pouco suscetíveis às mensagens dos adversários, enquanto os segundos, pragmáticos, podem mudar de posição, de acordo com os benefícios - maiores ou menores - oferecidos pelos contendores por meio de propostas para áreas como saúde, educação, transportes, segurança, habitação, emprego e bem-estar social.
Os perfis de eleitores, sejam os engajados ou os dispersos, se guiam por critérios variados, não havendo um padrão exclusivo para decidir sobre o voto. Entre eles se incluem proximidade, qualidade das idéias, viabilidade da promessa, feitos da gestão, história pessoal e até empatia gerada pela maneira como o candidato se apresenta.
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Para entender qual é a psicologia do eleitor brasileiro usemos uma historinha sobre os graus de liberdade de algumas culturas. Os franceses amam a liberdade como à amante, a quem se ligam de forma apaixonada e de quem se separam após violenta briga; os ingleses amam a liberdade como a uma esposa fiel, tradicional, com quem mantêm sólida relação, mesmo sem volúpia; os alemães amam a liberdade como a uma avó abençoada, a quem reservam o melhor cantinho perto da lareira, onde geralmente costumam esquecê-la; e os brasileiros prezam a liberdade como as muitas namoradas que costumam colecionar no vigor dos 18 anos. Pois bem, nosso eleitor é eclético. Apesar de continuar bastante volúvel, há uma parte que conserva a fidelidade dos ingleses, a paixão avassaladora dos franceses e até a frieza pragmática dos alemães.
Essas divisões eleitorais constituem o alvo do tiroteio da última semana de campanha, donde se pinça a indagação: o combate direto - com a arma da desconstrução do adversário - dá resultados? É sabido que campanha negativa afeta de maneira tênue a opção eleitoral. O impacto é mais forte junto a indecisos que aguardam a reta final para tomar partido. O caso mais emblemático de campanha destrutiva ocorre na capital paulista, que mobiliza 8 milhões de eleitores, onde Geraldo Alckmin ataca o prefeito Gilberto Kassab, que sucedeu ao governador José Serra e de quem é candidato in pectore. O ataque é feito por meio de um ator na pele de um piloto de avião que pergunta ao eleitor se prefere ver a cidade nas mãos de alguém que grita com o passageiro (foto de Kassab), de alguém que manda relaxar num momento difícil (imagem de Marta) ou de um ¨comandante sério¨, o tucano. Noutro anúncio, associa-se a figura de Kassab ao candidato Paulo Maluf e ao ex-prefeito Celso Pitta.
A história mostra que campanha negativa só é eficaz quando o atirador domina toda a visão de campo, controla os alvos e a velocidade do disparo. Em 2006, a campanha petista insinuou que Alckmin privatizaria a Petrobrás e o Banco do Brasil. Colou. A eficácia ocorre também quando se usa a arma da comparação de gestões. Já a insinuação sobre conduta pouco comove o eleitor. Os episódios do ¨vagabundo¨ e do ¨relaxa e goza¨ - lembrados no anúncio tucano - já conferiram a Kassab e a Marta sua cota de calvário. A associação a Maluf e Pitta consolida posições já definidas por eleitores, não alterando substancialmente o voto. Para o eleitor é abstrata a idéia de distinguir valores da ética e da coerência entre candidatos.
Campanha negativa é uma tradição nos EUA. Lyndon Johnson, candidato democrata a presidente em 1964, foi o primeiro a pagar anúncios para desmoralizar o rival Barry Goldwater. Uma menina no campo desfolhava pétalas de uma margarida, enquanto as contava uma a uma, até que, chegando ao dez, uma voz masculina começava a reverter a contagem. Na hora do zero, sob um ruído ensurdecedor, via-se na tela uma nuvem de cogumelo, simbolizando a bomba atômica, e a voz de Johnson: ¨Isto é o que está em jogo - construir um mundo em que todas as crianças de Deus possam viver ou, então, mergulhar nas trevas. Cabe a nós amar uns aos outros ou perecer.¨ O arremate: ¨Vote em Lyndon Johnson. O que está em jogo é demais para que você se possa permitir ficar em casa.¨ Em nenhum momento se mencionava Goldwater. O anúncio saiu apenas uma vez, mas as TVs o repetiram. Outros foram criados e massacraram o falcão republicano.
Esse modelo tenta associar candidatos aos valores da sociedade. Às vezes, o ataque dá errado, os atingidos se transformam em vítimas e as agressões se voltam contra os agressores. Aluízio Alves, candidato a governador do Rio Grande do Norte em 1960, acusado pelo adversário de correr o Estado dia e noite liderando multidões pelas estradas, apropriou-se do termo ¨cigano¨ a ele atribuído. Enfeitiçou as massas. Os comícios pegavam fogo. Dinarte Mariz, o governador, patrono da candidatura de Djalma Marinho, menosprezava: ¨Quem vai a esses comícios é uma gentinha analfabeta.¨ Aluízio adotou o termo: ¨Minha querida gentinha.¨ Ganhou a eleição.
Quando as acusações assumem um toque pessoal, podem se voltar contra o agressor. Por isso a desconstrução de perfis não obtém muita eficácia. A maioria do eleitorado quer uma campanha de idéias, cativante. Acontece que a agressão faz parte da nossa cultura. A virulência discursiva se faz presente até no palanque presidencial. Em comício da candidata petista Fátima Bezerra em Natal, na semana passada, Lula, com 68% de aprovação popular e escudado no programa Bolsa-Família, prometeu ¨ajustar as contas¨ com o senador José Agripino (DEM). Já em São Paulo, desancou os adversários de Marta Suplicy que usam seu nome, como Alckmin, que em anúncio faz a ressalva: ¨Lula, tudo bem, mas o problema é o PT.¨ Com as balas da popularidade Luiz Inácio se dá ao luxo de atirar a torto e a direito.
Na reta final de campanha, os eleitores serão alvo de muitos tiros. Alguns baterão de lado, outros poderão sair pela culatra.
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*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político