O pânico de ontem nos mercados 07/10/2008
- O Estado de S.Paulo
As bolsas de todo o mundo viveram outra segunda-feira negra, mostrando que a simples aprovação do Plano Paulson de resgate do sistema financeiro não foi suficiente para restabelecer a confiança em autoridades que durante tanto tempo negligenciaram a regulação dos mercados, omitiram-se diante dos sinais de perigo crescente e deixaram que a crise eclodisse e se avolumasse, antes de começar a agir.
Há uma semana, a resistência dos deputados americanos ao plano de US$ 700 bilhões proposto pelo governo espalhou pânico por todos os mercados. O plano, inflado em seguida com mais US$ 152 bilhões de benefícios diversos, foi aprovado na sexta-feira passada, mas isso não impediu que as cotações continuassem despencando. Noutras ocasiões, a pausa do fim de semana serviu para atenuar o nervosismo e restabelecer alguma ordem nos negócios. Desta vez, a interrupção parece ter servido apenas para aumentar a insegurança. Ontem cedo, em Nova York, o Índice Dow Jones caiu para menos de 10 mil pontos pela primeira vez desde outubro de 2004. Em São Paulo, as negociações na Bovespa foram suspensas duas vezes - a primeira, com apenas 18 minutos de pregão, quando o índice caiu 10%; a segunda, quando a queda chegou a 15,06%.
Dois fatores foram apontados por analistas para explicar o pânico de ontem. Primeiro, os investidores deram-se conta de que o plano de resgate aprovado pelo Congresso americano não produzirá efeitos imediatos. O Tesouro dos Estados Unidos foi autorizado a aplicar uma enorme soma de dinheiro na compra de títulos podres, mas falta definir vários aspectos práticos importantes. O secretário do Tesouro informou que está trabalhando nesses detalhes. Além disso, o Fed anunciou que passará a pagar juros pelos depósitos compulsórios dos bancos, ampliando o fornecimento de dinheiro às instituições. Não adiantou.
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O segundo e principal fator foi a hesitação das autoridades européias. Chegou-se a falar de um plano de socorro parecido com o americano, mas a idéia foi rejeitada pela maior parte dos governos. Uma reunião de autoridades da França, Reino Unido, Alemanha e Itália terminou sem qualquer decisão importante. A necessidade de uma segunda ajuda ao quarto maior banco alemão, o Hypo Real Estate, tornou ainda mais evidente a timidez dos governantes diante de uma crise de proporções extraordinárias.
A palavra pânico foi usada sem-cerimônia por vários especialistas para descrever o quadro de ontem. ¨Há pânico generalizado¨, disse o economista Adrian van Tiggelen, estrategista sênior do Banco ING. ¨Todos poderiam ter esperado que, depois da aceitação do pacote nos Estados Unidos e de resgates na Europa, as coisas deveriam acomodar-se, mas, de fato, há ainda muito medo de um efeito dominó¨, acrescentou. Esse comentário resume o que foi dito nos mercados nessa segunda-feira. Num cenário marcado por muita insegurança, o fiasco dos governantes europeus teve um efeito desastroso.
Funcionários americanos voltaram a defender, ontem, uma ação firme e coordenada dos governos do mundo rico para conter a crise. Mas, na Europa, as autoridades demonstraram não ter a mínima disposição de ir além dos caminhos conhecidos, apesar da retórica do primeiro-ministro Gordon Brown e do presidente Nicolas Sarkozy.
A crise será o tema central da reunião do FMI, nesta semana, em Washington. Mas dessa reunião não se pode esperar nada que contribua imediatamente para a solução da crise, além de apelos às autoridades do mundo rico para que adotem ações mais rápidas, audaciosas e coordenadas. (O que se vai discutir no FMI é principalmente a regulamentação que falta para evitar crises como esta.) Se continuarem hesitando, a insegurança persistirá e será muito mais difícil deter a contaminação da economia real - isto é, da produção, do comércio e do emprego - pela instabilidade financeira. Se algum ministro de país emergente pretende ir a Washington para rir da crise no centro da economia capitalista, como disse na semana passada o ministro Guido Mantega, melhor mudar de idéia. Não há e não haverá, nos próximos dias, nada engraçado ocorrendo nos mercados, sejam eles ricos, emergentes ou pobres.