O tempo é curto na área do clima 07/11/2008
- Washington Novaes*
Avivou muito as discussões a presença em São Paulo, esta semana, do afável e cordial - mas não menos contundente - sir Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial e coordenador do relatório sobre mudanças climáticas pedido pelo governo britânico em 2006. Nesse documento, que mudou o rumo das discussões, Stern afirmara que tínhamos dez anos para enfrentar a questão do clima, aplicando em soluções pelo menos 1% do produto bruto mundial (cerca de US$ 600 bilhões) a cada ano; se não o fizermos, corremos o risco da ¨mais grave recessão econômica da História¨, que pode significar a perda de 20% do produto mundial.
Há poucas semanas, Stern corrigiu - e agora reiterou em São Paulo: ¨Em 2006 eu fui muito otimista, não temos dez anos.¨ As emissões cresceram muito no mundo e os custos já seriam de 2% do produto ao ano. E será preciso estabilizar a concentração de carbono na atmosfera em nível mais baixo (450 partes por milhão) do que fora imaginado (500 a 550). No ritmo atual, a temperatura do planeta subirá de 2 a 3 graus Celsius até 2050 e 5 graus até 2100 (a média é de meio grau por década). A média de emissões por pessoa precisará baixar das atuais 7 toneladas anuais (nos países industrializados varia de 10 a 24 toneladas per capita; no Brasil é superior a 2 toneladas) para que se consiga uma redução de pelo menos 50% nas emissões totais até 2050, o que implica 80% para os países industrializados. Mas a crise financeira está agravando tudo. Porque o custo da redução inclui de US$ 20 bilhões a US$ 75 bilhões no comércio de carbono, que empresas de países industrializados já estão contendo. E mesmo na Europa - mais empenhada em reduções que outras áreas - países como Itália, Polônia e outros estão pedindo que seja adiado o compromisso de reduzir as emissões em 20% até 2020.
Na televisão e em outros lugares, Stern fez uma advertência oportuna para o Brasil: a questão do clima não se pode confinar no Ministério do Meio Ambiente, ¨precisa da participação da Casa Civil, dos Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento, da Fazenda¨ - isto é, das áreas governamentais hoje mais empenhadas num crescimento econômico quase a qualquer preço do que em esforços para conter o desmatamento, mudar matrizes energéticas e do transporte, reduzir as emissões industriais. Também colocou condicionantes claras para a exploração do petróleo da camada pré-sal: vai depender da cotação do petróleo (que, aos preços atuais, pode inviabilizá-la); de mudanças nos transportes (para veículos menos poluidores); e da viabilidade da tecnologia de capturar as emissões na sua fonte (usinas de energia, indústrias e outras) e sepultá-las debaixo da terra ou no fundo mar - é uma tecnologia que o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas avaliou como tecnicamente possível, mas dependendo do que acontecerá na terra, em termos geológicos e de recursos hídricos, e no mar, com a biodiversidade marinha.
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A discussão no Brasil continua à espera do plano nacional para a área do clima, que teve sua proposta inicial severamente criticada pelo Fórum das ONGs e dos Movimentos Sociais e pelo ex-ministro José Goldemberg, para quem o texto preliminar não chega a ser um plano - ¨é um emaranhado de iniciativas já existentes¨. Diz o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que está discutindo com o Itamaraty a adoção de metas de redução de emissões que correspondam a um terço das que vierem a ser adotadas para os países industrializados (Folha de S.Paulo, 25/10). Essa fórmula, diz ele, já teria sido aceita pela área econômica; o Itamaraty concordaria, mas quer impor outras condições. Para o ministro do Meio Ambiente, o custo da redução para o Brasil seria ¨zero¨: bastaria baixar em um terço o desmatamento na Amazônia e receber tecnologias dos países mais ricos.
Seja qual for o rumo, aguarda-se o novo inventário brasileiro de emissões, que atualize o de 2004. Segundo este, o Brasil já emitia, em 1994, pouco mais de 1 bilhão de toneladas equivalentes de carbono, das quais 776,3 milhões correspondentes a mudanças no uso da terra, desmatamentos e queimadas. Uma estimativa recente fora do Brasil indicou que teria havido acréscimo de 40%. De qualquer forma, o governo brasileiro tem prazo até o fim de ano para divulgar os novos números. Divulgará antes das novas discussões da Convenção Do clima, em dezembro, na Polônia?
Uma das questões mais complicadas internamente é a da matriz energética. O planejamento governamental dá forte ênfase à expansão de termoelétricas (até a carvão) e das hidrelétricas na área amazônica, debaixo de críticas dos ambientalistas - que não a consideram necessária (o consumo até caiu nos últimos meses) e, além disso, favorecedora da ocupação de novas áreas, com desmatamentos e queimadas. Numa discussão recente em Brasília, o professor Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, apontou a contradição: implantam-se mais usinas, mas o aquecimento global e o desmatamento podem reduzir a vazão dos rios e a produtividade das hidrelétricas. A seu ver, uma das melhores alternativas para o Brasil seria o aproveitamento do potencial eólico, de 60 GW, dos quais apenas 0,28 GW está sendo utilizado.
Em São Paulo, Stern advertiu que é preciso eliminar os subsídios ao consumo de energia (o Brasil subsidia nos chamados eletrointensivos, assim como na agricultura). Lembrou que o derretimento de gelos andinos já reduz o fluxo de água inclusive para o Brasil. E que um aumento de 3 graus na temperatura da Amazônia pode ter conseqüências irreversíveis (quando a produção econômica decorrente do desmatamento não passa de 1% do PIB).
E assim vai a discussão. À espera também do que um governo e um Congresso democratas farão com a política do clima nos Estados Unidos. Mas com a ciência endurecendo suas advertências: todos os continentes estão se aquecendo.
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Washington Novaes é jornalista - E-mail: wlrnovaes@uol.com.br