O segundo vagalhão da crise 15/11/2008
- O Estado de S.Paulo
O primeiro vagalhão da crise internacional atingiu o Brasil no setor financeiro. Enquanto o crédito encolheu para as empresas locais, dólares foram mandados às matrizes das multinacionais e ao mercado de títulos públicos americanos. O segundo vagalhão vai sacudir o balanço de pagamentos, com a redução da demanda externa e a diminuição dos preços das commodities. Com a recessão declarada oficialmente na Europa e o rápido agravamento da situação nos Estados Unidos, no Japão e até nas economias mais dinâmicas da Ásia, já não há como alimentar fantasias sobre as perspectivas do Brasil.
Se o governo agir como deve, controlando seu custeio e concentrando estímulos nos setores mais estratégicos, o País poderá, quase certamente, atravessar 2009 sem recessão, mas também sem folga.
Se dispersar esforços, a dívida pública aumentará, surgirão rachaduras nas contas externas e serão perdidas algumas das mais importantes conquistas dos últimos anos.
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Já não há dúvida quanto ao desastre no mundo rico. A economia alemã, a terceira do mundo e a maior da Europa, encolheu 0,4% no segundo trimestre e 0,5% no terceiro. A Itália também está em recessão, a produção espanhola já diminuiu num trimestre e outros países, como França e Holanda, estão a um passo do buraco.
O Produto Interno Bruto (PIB) da zona do euro diminuiu 0,2% do primeiro para o segundo trimestre e 0,2% do segundo para o terceiro. O quadro geral já é recessivo na zona do euro, assim como no Reino Unido.
Nos Estados Unidos, grandes empresas mantêm o clima de pânico nas bolsas com a divulgação, dia após dia, de novos balanços desanimadores. A média quadrissemanal de novos pedidos de auxílio-desemprego chegou a 419 mil, a maior desde 1991 e acima do nível considerado típico de recessão por muitos economistas. Em outubro, as vendas no comércio varejista diminuíram 2,8%, na maior queda mensal desde 1992.
Hong Kong também não resistiu às dificuldades. Seu PIB diminuiu 1,4% do primeiro para o segundo trimestre e, em seguida, mais 0,5%. Com duas quedas trimestrais consecutivas, caracterizou-se a recessão.
Mais surpreendente, no entanto, é a rápida perda de impulso da economia chinesa. O crescimento ainda é invejável, mas o aumento da produção industrial, no mês passado, foi o menor em sete anos. Em setembro, a indústria havia produzido 11,4% mais que um ano antes. Em outubro, a diferença em relação ao mesmo mês de 2007 ficou em 8,2%.
A mudança de cenário afetou os planos das indústrias e derrubou as encomendas de matérias-primas. ¨Não antecipamos a gravidade da crise¨, disse ontem, em Londres, o diretor-executivo de Finanças da Vale do Rio Doce, Fábio Barbosa, numa apresentação para investidores. Até setembro, segundo ele, o mercado chinês havia operado normalmente e os embarques de minério de ferro para a China foram recordes nesse mês. Diante da nova realidade, a Vale desistiu de negociar um aumento de preços com os clientes chineses. Além disso, retirou o acréscimo de 12% combinado com japoneses e coreanos.
A retração da economia global também afeta as cotações de outros produtos básicos. Mas o mercado também reflete os efeitos da acomodação financeira dos fundos de hedge. Nas próximas semanas, segundo analistas, os fundos poderão realizar novas grandes vendas, porque precisarão fazer caixa para atender a pedidos de resgate no fim do ano.
Vendas de fundos especulativos, no entanto, não serão os principais problemas para os produtores e exportadores de produtos básicos. As cotações serão determinadas principalmente pelo ritmo de atividade nas grandes economias desenvolvidas e emergentes. Já houve quedas importantes, desde o meio do ano, e nada justifica otimismo em relação a 2009.
Nos últimos anos, o comércio exterior brasileiro foi muito beneficiado pelo rápido aumento da procura e dos preços de produtos agrícolas, minério de ferro e outras commodities. Esse quadro favorável explica, em boa parte, a sucessão de grandes superávits comerciais e a acumulação de reservas. O País deve preparar-se para um quadro muito diferente. Se não se adaptar, a solidez das contas externas, um importante fator de segurança, poderá ser comprometida. O governo parece não haver dado suficiente importância, até agora, a esse perigo.