As dimensões do programa de estímulo à atividade econômica anunciado pelo governo da China não deixam dúvidas, se ainda havia alguma, de que não passava de falácia a tese de muitos economistas dos países ricos, surgida no início do agravamento da crise nos Estados Unidos e na Europa, de que os grandes países emergentes (os Brics) sofreriam pouco com ela e contribuiriam até para amenizá-la e aliviar seus efeitos, porque continuariam a crescer vigorosamente. Hoje se verifica que a excepcional performance econômica dos emergentes só foi possível graças à fantástica prosperidade dos países ricos bruscamente interrompida pelo estouro da ¨bolha¨ financeira.
Agora, a violência dos efeitos da crise na China mostra como é grave a ameaça para todos os países emergentes, inclusive o Brasil, cujo ritmo de crescimento, como o chinês, será fortemente reduzido. Proporcional ao impacto da crise, o programa chinês prevê, além de redução de impostos e medidas para aumentar a liquidez do sistema financeiro, investimentos equivalentes a US$ 586 bilhões (16% do PIB de 2007 e praticamente o valor dos orçamentos públicos do país) em 2009 e 2010 para conter a desaceleração da economia. Em valor, o programa chinês é comparável ao montado às pressas pelas autoridades americanas para conter a crise financeira nos EUA. Os investimentos, cuja fonte de financiamento ainda é obscura, destinam-se a projetos de infra-estrutura, meio ambiente, inovação tecnológica e reconstrução de regiões afetadas por desastres naturais.
É a ação mais ampla de Pequim contra os efeitos da crise. Nas últimas semanas, as autoridades chinesas fizeram três cortes na taxa básica de juros, reduziram a tributação das exportações e tomaram medidas para baratear os produtos no mercado interno.
PUBLICIDADE
Ironicamente, até alguns meses atrás, o governo chinês tomava medidas para conter o crescimento econômico, que pressionava a inflação. Desde o segundo semestre de 2007, a economia chinesa se desacelerava. Depois de registrar aumento de 12,6% no segundo trimestre do ano passado, em relação a igual período de 2006, a expansão foi perdendo velocidade. A crise global agravou esse processo.
No terceiro trimestre de 2008, o crescimento foi de 9%, um número que merece ser comemorado em qualquer parte do mundo, menos na China. É o pior resultado dos últimos cinco anos. As projeções mais recentes para 2009 são de crescimento entre 7,8% e 7,6%. Os pessimistas falam em 6%. Será um desempenho preocupante para os dirigentes do Partido Comunista chinês. Eles calculam que o crescimento mínimo anual deve ser de 8%, para gerar empregos suficientes para os milhões de trabalhadores rurais que anualmente buscam trabalho nas cidades. Se a China crescer menos que isso, podem surgir graves problemas sociais.
As regiões industrializadas do sul do país - que prosperaram de maneira notável nas últimas décadas, graças às exportações de produtos eletrônicos, roupas, brinquedos e móveis que enchem as prateleiras das lojas dos Estados Unidos e de outras partes do mundo - foram fortemente afetadas pela crise nos países ricos. O corte nos pedidos dos importadores, sobretudo americanos, o aumento das matérias-primas e outros problemas levaram à falência mais de 68 mil pequenas empresas. Até o fim do ano, 2,5 milhões de empregos poderão ser extintos só na região do delta do Rio Pérola.
O fantasma do desemprego em massa assombra os dirigentes comunistas. Seu crescimento pode levar à perda de apoio popular ao governo e a manifestações de insatisfação que, se não contidas no início, podem levar a uma situação incontrolável. Desde outubro, já houve mais de dez protestos de empregados de empresas exportadoras, algumas com ações negociadas em bolsa.
Uma crise política na China, que afete seriamente a atividade econômica, afetará também a economia mundial, por causa do grande volume de matérias-primas e produtos acabados que o país importa do resto do mundo. Na semana passada, por exemplo, a brasileira Vale anunciou ter desistido de negociar um reajuste adicional de 12% no preço do minério de ferro que exporta para a China por causa da crise internacional e da mudança do quadro econômico chinês.