Salvar os bancos ou o meio ambiente? 17/11/2008
- José Goldemberg*
A crise que assola a economia mundial, com sinais claros de recessão, pode pôr em risco as medidas necessárias para reduzir a emissão dos gases que estão provocando o aquecimento da Terra e as mudanças de clima resultantes?
À primeira vista a resposta é sim, uma vez que a crise vai reduzir a atividade econômica e provocar desemprego, que são problemas que exigem ações imediatas. A rápida reação dos governos dos EUA, da Inglaterra e outros, ¨salvando¨ o sistema bancário, vai nessa direção e reduzirá recursos disponíveis para enfrentar problemas ambientais, cujas conseqüências só se vão fazer sentir a longo prazo, como o aquecimento global.
Além disso, a recessão, reduzindo a atividade econômica, reduzirá também a emissão de gases de efeito estufa, como ocorreu com os ex-integrantes da União Soviética, diminuindo a urgência que se deve dedicar a estes problemas.
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A queda dos preços do petróleo pode também tornar investimentos em energias alternativas menos atraentes. O uso dessas formas de energia é um dos caminhos utilizados até agora para reduzir as emissões.
Por outro lado, a crise financeira abre novas oportunidades, como expressou em artigo recente o economista inglês Nicholas Stern, que assessora o governo britânico em questões referentes às mudanças de clima. A crise, ao provocar uma redução do consumo, postergará o problema, mas não o resolverá. Isso já ocorreu em 1973, com o primeiro choque do petróleo, que adiou a adoção de medidas sérias contra o aquecimento global. Passados alguns anos o problema voltou a preocupar a todos.
O argumento de Stern é o de que é investido, por ano, cerca de US$ 1 trilhão na área de energia - com crise ou sem crise - e, portanto, o que se deve fazer é redirecionar esse investimento para atividades que permitam racionalizar o uso de eletricidade e outras forma de energia, e lançar os fundamentos de uma economia que - passada a crise - emitirá pouco carbono.
O aumento de eficiência energética tem grande espaço para crescer nos países industrializados e energias renováveis - entre as quais os biocombustíveis - têm grandes oportunidades nos países em desenvolvimento. Em outras palavras, não podemos daqui para a frente repetir a trajetória seguida no século 20 - altamente dependente de combustíveis fósseis -, mas ¨saltar na frente¨, adotando novas estratégias.
Uma característica fundamental do uso de energias renováveis é que elas geram de dez a cem vezes mais empregos que a produção e o refino de petróleo ou a energia nuclear, para a mesma quantidade de energia produzida. Daí as grandes oportunidades de países em desenvolvimento, como o Brasil, onde o sol e a terra são abundantes.
Estas oportunidades estão vinculadas às negociações sobre a Convenção do Clima, que tomaram novo impulso com a Conferência de Bali, em dezembro de 2007. Apesar da crise financeira atual, não há indicações de que os acordos aceitos em Bali serão abandonados.
O que a Conferência de Bali decidiu - com participação e apoio do Brasil, que coordena um dos grupos de trabalho que estão implementando essas decisões - é que os países industrializados vão aprofundar seus compromissos de reduções obrigatórias de emissões acordadas no Protocolo de Kyoto. Os países em desenvolvimento, em compensação, devem adotar ¨ações voluntárias mensuráveis, reportáveis e verificáveis¨ para mitigar (isto é, reduzir) suas emissões de gases de efeito estufa.
Em cumprimento a estas decisões os países têm preparado planos nacionais sobre mudanças de clima, sendo os principais os documentos da China, da Índia e do Brasil. Todos eles se ocultam atrás de uma vaga cláusula da Convenção do Clima que afirma que as ¨responsabilidades dos diferentes países são comuns, mas diferenciadas¨ - para se isentar de assumir medidas concretas de redução de emissões, como se a atmosfera distinguisse emissões que se originam na China ou nos EUA.
O plano da China foi preparado em junho de 2007 (antes da Conferência de Bali), mas fixa metas, como reduções de emissões a serem atingidas até 2010, aumento da cobertura florestal e da participação da geração de energia hidrelétrica, entre outras. O plano da Índia é apenas um amontoado de intenções e mostra que esse país não está, de fato, interessado no problema. O plano do Brasil é melhor que o da Índia, mas pior que o da China, o que é lamentável.
O Brasil não só poderia exercer liderança neste campo, mas também se beneficiar dos esforços globais de redução das emissões, pois há ações a serem realizadas aqui, no País, que são mais baratas que ações realizadas no Japão ou na Europa. Por exemplo, reduzir o desmatamento da Amazônia de maneira séria, isto é, ¨quantificável, reportável e verificável¨, poderia valer certificados que seriam vendidos no mercado internacional, como até o ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente, já percebeu, apesar da resistência do Itamaraty.
Por esta razão, o Plano de Mudanças Climáticas preparado pelo governo federal precisaria ser revisto para incluir metas e um calendário para atingi-las, como qualquer outro plano sério, como o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek ou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula. Sem isso, consultas públicas - como as que estão ocorrendo - são, na realidade, um exercício retórico, porque os participantes não sabem realmente de que forma estão sendo afetados. Em contraste, o prefeito de São Paulo encaminhou projeto de lei à Câmara Municipal listando medidas práticas e concretas que, se adotadas, colocarão São Paulo na vanguarda da luta contra o aquecimento global, ao lado de Londres e Barcelona.
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*José Goldemberg foi secretário de Meio Ambiente da Presidência da República