A pátria está salva 05/12/2008
- O Estado de S.Paulo
O governo continua discutindo se a economia brasileira crescerá 4% ou menos, em 2009, como se a crise internacional não fosse um risco presente e houvesse tempo de sobra para saber como as coisas vão ficar. Infelizmente as coisas já estão suficientemente ruins e tudo indica que não vão parar de piorar. A produção e o faturamento do setor industrial caíram em outubro, o consumidor ficou mais cauteloso, planos de investimento foram suspensos, lançamentos imobiliários foram adiados e demissões começaram a ocorrer. Os primeiros dados de novembro confirmam a tendência de enfraquecimento da economia, apesar dos esforços do Banco Central (BC) para irrigar o mercado e estimular a reativação do crédito.
O impacto inicial da crise no setor industrial foi mostrado há poucos dias pelo IBGE. Em outubro, a produção da indústria foi 1,7% menor que em setembro e apenas 0,8% maior que no mesmo mês de 2007. Pela primeira vez, em muito tempo, a produção de bens de capital diminuiu de um mês para outro. Poucos dias depois, nessa quinta-feira, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) acrescentou detalhes importantes ao cenário. O faturamento real da indústria de transformação, descontado o fator sazonal, foi 0,2% menor em outubro do que no mês anterior. O uso da capacidade instalada caiu de 83,4% para 82,9%, voltando ao nível de um ano atrás. Ainda é elevado, mas a tendência de redução parece firme.
Até há poucos dias ainda se encontrava, em Brasília, quem pusesse em dúvida a tendência de retração dos negócios. Seria preciso, argumentavam, esperar os dados do IBGE sobre a atividade industrial de novembro. Os números divulgados pelas montadoras de veículos não permitem muito otimismo. A produção do mês passado, 194,9 mil unidades, foi 34,4% menor que a de outubro e 28,6% inferior à de um ano antes. As vendas no mercado interno recuaram 25,7% de outubro para novembro. No confronto com o mesmo mês de 2007, a redução foi de 25%. As vendas de máquinas agrícolas no mercado interno também recuaram nos últimos dois meses, diminuindo 21,2%. Ainda foram 16,6% superiores às de novembro do ano passado, mas são um claro sinal de problemas no campo.
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Segundo o IBGE, a indústria de defensivos agrícolas produziu em outubro 30% menos que em setembro. A produção de adubos, fertilizantes e corretivos do solo diminuiu 32%. Os preços praticamente dobraram nos últimos 12 meses e, apesar da crise, permanecem altos. Além disso, o financiamento ficou escasso no mercado interno. Mesmo com tempo favorável, poderá haver, portanto, redução de produtividade nas lavouras plantadas neste semestre. A colheita ainda será suficiente para o abastecimento e para um bom volume de exportações, mas a contribuição da agricultura para a movimentação da economia será menor, certamente, que nos anos de maior prosperidade no campo.
Se o setor automobilístico repetir em 2009 o desempenho de 2008, com crescimento zero, será mantido um volume recorde de produção. Não será um resultado muito ruim, diante das circunstâncias, mas a produção das montadoras dependerá tanto de um mercado interno debilitado quanto de um mercado internacional muito retraído.
Nem a China, a mais dinâmica das economias emergentes, ficou imune aos efeitos da recessão nos Estados Unidos e na Europa. O corte de produção e as demissões anunciadas pela Companhia Vale do Rio Doce, a segunda maior mineradora do mundo, são detalhes desse quadro sombrio. A retração das maiores economias afeta a demanda e os preços dos produtos básicos, como petróleo, metais e matérias-primas agrícolas, e todos esses mercados são muito importantes para o Brasil.
Diante desse quadro, o presidente da República insinua que quem fala em crise é traidor da pátria. Por falar em pátria, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, escalada para concorrer à sua sucessão, já sabe como salvá-la. Ontem, ela anunciou que o valor do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) será aumentado de R$ 504 bilhões para R$ 636,2 bilhões até 2010, e depois deverá chegar a R$ 1,111 trilhão. (Ela está pensando no seu governo.) Perguntada sobre de onde virá tanto dinheiro respondeu sem hesitar: ¨Do mesmo lugar que sempre sai.¨
Neste ano, desse lugar de onde sempre sai dinheiro, saiu um total de R$ 9 bilhões.