A questão é política 15/12/2008
- Marcos Antonio Moreira - fazperereca@yahoo.com.br
É certo que a decisão já tomada por 8 dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, mantendo a demarcação continua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, mas sob 18 condições que em essência impedem a formação de um Estado indígena em território nacional, deverá servir de baliza a pendências que perduram em outras regiões do País, tendo como fulcro limites de reservas e ocupações de terras indígenas.
Prevaleceu a tese da ¨continuidade¨ tanto quanto o entendimento de que a constituição de reservas indígenas não é um direito absoluto que se sobreponha aos ditames da soberania nacional.
Discutível, no entanto, é a interpretação que alguns estão dando à decisão do Supremo - entre os quais o presidente da Funai -, segundo a qual o critério antropológico ou da ¨ocupação original¨ do território nacional deve prevalecer sobre quaisquer outros, inclusive o da titulação fundiária legítima.
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Se assim fosse e se se assegurasse aos indígenas o ¨direito a toda a terra que lhes pertencia¨, teriam que se demarcar, como reserva, as áreas onde se erguem boa parte das cidades brasileiras.
Não há como deixar de levar em conta a especificidade regional de cada conflito envolvendo disputas de terra, produção e reservas indígenas.
Cada caso é um caso e, acima das discussões sobre a prevalência deste ou daquele critério (jurídico, antropológico, ambiental ou de que ordem seja) para a fixação dos limites das reservas indígenas, há que se buscar a solução de bom senso, o que torna a questão, sobretudo, política - no sentido elevado do termo, bem entendido.
Neste ponto, considerando-se ainda que o escopo maior da política indigenista, inclusive por definição constitucional, deva ser a proteção física e cultural das etnias autóctones, o importante será estabelecer limites razoáveis para essas demarcações, dando-lhes tamanho proporcional aos contingentes populacionais indígenas aos quais se pretende assegurar ocupação territorial.
Há que se levar em conta, por outro lado, que no Brasil há 600 terras indígenas, que abrigam 227 povos, com um total de, aproximadamente, 480 mil pessoas.
Desta forma aí já temos um latifúndio, para este grupo de brasileiros, que quando definitivamente homologado representará nada menos do que 13,5% de todo o território nacional.
Disputas entre fazendeiros e índios existem na região dos enáuenês-nauês, em Mato Grosso; na dos guaranis-caiouás, em Mato Grosso do Sul; na dos xucurus-cariris, em Alagoas; na dos pataxós-hã-hã-hães, na Bahia; na dos caingangues, em Santa Catarina; e muitos outros.
A pressão das ONGs indigenistas - aparentemente ideológicas, mas freqüentemente encobrindo outros interesses - tem sido, em geral, no sentido de maximizar as áreas a serem demarcadas como indígenas.
Às vezes as pressões demarcatórias - baseadas em discutíveis dados antropológicos - chegam ao exagero de, se atendidas, tornarem inviáveis as atividades do agronegócio em determinadas regiões.
Esse risco está presente em Mato Grosso.
Reconheça-se que o governo Luiz Inácio Lula da Silva, tendo homologado 65 terras indígenas em seu primeiro mandato, ainda não obteve a média demarcatória do governo Fernando Henrique.
Mas sabe-se que os planos do governo Lula são ambiciosos nesse campo. Só com a demarcação da área Trombetas Mapuera, por exemplo, entre Amazonas, Pará e Roraima, cerca de 4 milhões de hectares passam à posse dos grupos indígenas hixcariana, uai uai e outros mais isolados, todos somando uma população que não ultrapassa 500 pessoas.
Importa observar, vendo a questão por outro ângulo, que existe uma grande mesa de negociação onde empresas e o poder público têm mantido debate com comunidades indígenas, em razão de diversos e importantes projetos.
Por exemplo, pela Usina Balbina os índios uaimiri-atroari, que tiveram parte de suas terras inundadas, recebem recursos da Eletrobrás; o projeto da Usina de Belo Monte enfrentou problema de paralisação porque sua construção pode afetar a vida de nove povos indígenas que vivem numa área de 5,3 milhões de hectares; no projeto Ferro-Carajás a Companhia Vale rompeu o acordo que mantinha com os xicrins, que não estavam satisfeitos com os R$ 569 mil que recebiam mensalmente da empresa.
Vê-se, assim, que efetivamente ¨cada caso é um caso¨ na questão indígena brasileira - onde a melhor política talvez seja a boa negociação.