No terceiro dia dos ataques aéreos israelenses contra o Hamas, na Faixa de Gaza, já havia mais de 340 mortos e 1,4 mil feridos. E era iminente o início de uma ofensiva terrestre, que certamente aumentará bastante a lista de baixas. Esta é talvez a mais violenta operação militar de Israel contra os territórios ocupados, hoje sob a administração da Autoridade Palestina, o que, à primeira vista, justifica a reação praticamente unânime da comunidade internacional, que classificou a ofensiva como uma ¨reação desproporcional¨.
O problema é que, no Oriente Médio, tudo é desproporcional. Os ódios e ressentimentos, por exemplo, assumem amplitudes desproporcionais, levando ao fracasso toda e qualquer tentativa de se fazer a paz na região. Na verdade, demorou muito o cessar-fogo de seis meses entre Israel e o Hamas, obtido por intermédio do Egito.
Durante esse período, continuaram caindo sobre colônias e kibutzim israelenses morteiros e foguetes disparados pelos militantes do Hamas, sem que houvesse reação. Mas, no dia 4 de novembro, Israel desencadeou uma operação militar em Gaza para destruir um túnel que estaria sendo usado pelo Hamas no seqüestro de israelenses. Na ação, morreram seis militantes palestinos. Então, sim, houve a resposta do Hamas, que passou a disparar grande número de foguetes contra Israel e anunciou que a trégua não seria prorrogada. Na semana passada, pelo menos 200 foguetes atingiram o sul de Israel.
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Esse ataque, a seis semanas das eleições gerais, mudou a relação de forças no Gabinete israelense de coalizão. Até então prevalecia a moderação do primeiro-ministro Ehud Olmert, em fim de mandato, e do ministro da Defesa e líder do Partido Trabalhista, Ehud Barak - candidato a chefe do governo -, sobre a posição mais agressiva da ministra das Relações Exteriores e líder do Kadima, Tzipi Livni - também candidata. Há tempos Livni vem afirmando que o controle da Faixa de Gaza pelo Hamas deve terminar, uma vez que aquele grupo radical não estaria disposto a fazer a paz com Israel, ao contrário do Fatah. E esse objetivo, obviamente, só poderia ser alcançado com o uso de força.
Esse argumento vinha sendo abertamente defendido pelo principal adversário de Ehud Barak e Tzipi Livni no pleito de fevereiro, o ex-primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, líder da oposição e do Likud. Na companhia de políticos tanto da oposição como do governo, Netanyahu exigia que o governo adotasse uma ação militar decisiva contra o Hamas.
Assim, a saraivada de foguetes do Hamas contra Israel forneceu o pretexto para a guinada do Gabinete. ¨Há um momento para a calma e um momento para a luta. E este é o momento de lutar¨, reconheceu o ministro da Defesa.
Mas a reação do governo de Jerusalém não foi inopinada. Durante pelo menos uma semana a diplomacia israelense buscou o apoio das grandes potências e de seus principais aliados para a ofensiva que viria a seguir. O objetivo declarado pelo primeiro-ministro Olmert e pelo ministro da Defesa, Ehud Barak, era criar um ¨guarda-chuva internacional¨ que garantisse o apoio mundial à ampliação das respostas militares aos ataques do Hamas. Barak, por exemplo, conversou nesse sentido com o chanceler da Rússia, enquanto a chanceler Livni foi ao Cairo, expor aos dirigentes egípcios a nova política israelense.
E, três dias antes do início dos ataques aéreos, o governo israelense fez o que poderia ser interpretado como uma última tentativa de levar o Hamas a prorrogar a vigência do cessar-fogo, autorizando a abertura dos postos de fronteira para a passagem de comboios de caminhões com mantimentos, combustíveis e suprimentos médicos destinados à população de Gaza. No mesmo dia, 20 foguetes foram disparados contra Israel, o que levou o chefe do Estado-Maior a declarar que ¨teremos de usar todo o nosso poderio contra a infra-estrutura dos terroristas e assim criar uma realidade distinta, do ponto de vista da segurança, em torno de Gaza¨.
O ¨guarda-chuva internacional¨ de apoio a Israel não se abriu. De todos os lados, menos do governo Bush, a ofensiva recebeu críticas severas, não porque se negasse a Israel o direito de se defender, mas porque a sua reação foi brutal e indiscriminada.