Cubanos pressionam por mudanças no socialismo 01/01/2009
- Fernando Ravsberg - BBC
Poucos duvidam que o futuro de Cuba e seu processo revolucionário será determinado em grande parte pelas medidas que o governo de Raúl Castro adotar nos próximos meses. A maioria dos cubanos - do intelectual ao homem comum - concorda com a necessidade de realizar mudanças.
Até Fidel Castro, pouco antes de ficar doente, disse que o processo revolucionário pode ser destruido ¨por nós mesmos¨ e, em um de seus discursos, disse que Revolução é ¨mudar tudo o que deve ser mudado¨. Com ele, abriu uma grande porta.
Em 26 de julho de 2007, o general Raúl Castro, já na função de presidente, prometeu fazer reformas estruturais, mas com um limite: ¨A única coisa que um revolucionário jamais questionará é a nossa decisão de construir o socialismo.¨
A população, por sua vez, se manifestou com toda a clareza no 1,2 milhão de críticas ao funcionamento do país apresentadas em um debate nacional em 2007, organizado pelo próprio Raúl Castro e do qual participaram 5 milhões de cubanos.
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Os intelectuais escolheram a internet. A página espanhola ¨Kaosenlared¨ se transformou no centro da polêmica. Ela recebeu centenas de propostas para transformar a realidade cubana, e os internautas da ilha e do exterior promovem discussões em fóruns interativos.
Debate da esquerda
Também é interessante o fato de ter surgido recentemente uma tendência de esquerda mais crítica do sistema, à que se somam comunistas idosos e jovens que, paradoxalmente, apelam para que se construa um ¨verdadeiro socialismo¨.
O ex-diplomata Pedro Campos sintentiza o que pensa essa corrente quando diz que ¨ter mantido o trabalho assalariado como forma de organizar a produção significou, em essência, continuar com o mesmo modo de produção capitalista, mesmo quando se tentou um tipo de distribuição igualitária¨.
No outro extremo, o economista dissidente Oscar Espinosa Chepe reclama que ¨o presidente Raúl Castro, conhecido por seu pragmatismo, refletirá sobre a experiência chinesa e retomará a idéia de promover mudanças estruturais e de conceitos¨.
Enfim, nunca houve um clima tão generalizado a favor de mudanças como o que se pode notar agora. É como se a sociedade inteira percebesse que as coisas já não podem seguir como até agora.
Os que pensam de outra forma, porém, não têm plataforma para sua opinião. O escritor Félix Sautié diz que ¨os que expressam algo diferente ou que não soe bem em relação ao pensamento oficial estabelecido em ocasiões são qualificados como inimigos¨.
Como avançar?
Muitos são os que acreditam que o país está imerso em uma grave crise. A agricultura não produz, nas empresas trabalha-se pouco, a corrupção aumenta, o poder aquisitivo está no chão e a emigração de jovens aumenta diariamente.
Lázaro González diz que entre os principais problemas estão ¨os baixos níveis de produtividade¨, ¨a ilegalidade, roubos e corrupção¨ e ¨a pouca motivação¨ do trabalhador que vê a empresa como um ¨ente estranho¨.
E a economia parece ser o setor que mais preocupa os cubanos. Uma pesquisa clandestina realizada por uma fundação ligada ao Partido Republicano dos Estados Unidos determinou que mais de 50% dos consultados desejam mudanças econômicas, enquanto as transformações políticas foram exigidas por menos de 10%.
Em pouco tempo, é muito provável que a ilha tenha uma relação diferente com Washington. Chega a se criar uma boa vizinhança e é até possível o levantamento do embargo. Cuba vai ficar sem o ¨inimigo imperialista¨ que inflamava os discursos e as massas.
Armando Hart, um dos líderes que acompanham Castro desde a insurreição, prevê que ¨nasce uma nova etapa no combate ideológico entre a Revolução Cubana e o imperialismo¨.
As mudanças começaram na semana seguinte à que Raúl Castro assumiu oficialmente a Presidência, mas pararam depois da passagem de furacões pela ilha. Especula-se muito sobre as razões da imobilidade, mas só o governo conhece as verdadeiras causas.
O que acontecer no futuro com a Revolução Cubana estará muito ligado a sua capacidade de se transformar. A população que a apoiou durante décadas reclama hoje melhorias econômicas, sobretudo de salários, alimentação e moradia.
O diretor de cinema Tomás Gutiérrez Alea disse que ¨o roteiro do socialismo é excelente, mas ao ser encenado deixa muito a desejar¨.
O sentimento de muitos aqui em Cuba é que a Revolução só escapará desta sentença se for capaz de converter a proposta original de bem-estar em uma realidade palpável para o homem comum.