A retomada do mercado 05/01/2009
- O Estado de S.Paulo
A indústria brasileira poderá retomar uma parte do mercado interno ocupado nos últimos anos por empresas estrangeiras, se o dólar continuar acima de R$ 2, calculam executivos e economistas citados em reportagem publicada no Estado de sexta-feira. A crise global deverá proporcionar pelo menos esse benefício aos produtores nacionais. Encerrada a fase do dólar farto e barato, a produção local poderá substituir uma boa fatia das importações.
As estimativas, no entanto, variam amplamente. Os mais moderados falam em oportunidades equivalentes a uns 10% do valor importado em 2008. Os mais otimistas projetam uma substituição de 20%, algo em torno de US$ 34 bilhões.
O câmbio mais favorável deverá, segundo as previsões, facilitar a recuperação de mercado em setores tão diferentes quanto o de alimentos e bebidas, o de roupas, o de brinquedos, o de autopeças e o de máquinas e equipamentos. Mas essas expectativas só não serão frustradas se a depreciação do real for acompanhada de algumas condições.
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A primeira e mais evidente é o controle da inflação. Sem isso, parte dos benefícios proporcionados pela alta do dólar será perdida em pouco tempo. O poder de competição do produtor nacional será afetado pela variação real e não só pela movimentação nominal do câmbio.
Em segundo lugar, o empresário brasileiro vai precisar de financiamento para produzir e responder à demanda do mercado interno. Neste momento, as condições de empréstimos são insatisfatórias para a maior parte das empresas.
Diante da escassez de crédito no exterior, as grandes companhias, incluída a Petrobrás, voltaram-se para o mercado financeiro interno, tomando espaço das médias e das pequenas empresas. A situação ficará mais complicada se o Tesouro Nacional pressionar o mercado para garantir a rolagem de sua dívida. Como o custeio do governo será inflado por maiores despesas com pessoal, já aprovadas em 2008, e o controle dos demais itens de custeio é normalmente precário, ninguém pode apostar numa evolução mais favorável das contas públicas.
Um terceiro fator importante será a política seguida pelas potências comerciais mais dinâmicas, como a China. A valorização cambial da moeda chinesa foi interrompida e uma nova depreciação é provável, segundo muitos analistas. Além disso, o governo de Pequim tem concedido benefícios fiscais a várias indústrias exportadoras para ajudá-las a enfrentar a piora das condições no comércio. A contração da demanda nos mercados americano e europeu, os maiores compradores de produtos chineses, causou o fechamento de muitas fábricas na China e a demissão de centenas de milhares de trabalhadores.
A indústria chinesa tentará desviar para a América Latina - e para o Brasil, com certeza - parte da produção destinada, em condições normais, aos mercados do mundo rico. A reação da China e de outros exportadores dinâmicos às novas condições do comércio internacional poderá causar problemas tanto no mercado interno quanto nos mercados de exportação das indústrias brasileiras.
Enfim, o câmbio é só uma das variáveis determinantes do poder de competição de um país. No Brasil, a importância desse fator é tradicionalmente superestimada, porque há muito tempo se atribui ao câmbio a função de compensar uma porção de condições negativas, como a tributação irracional, os entraves burocráticos, os custos decorrentes da insegurança e as graves deficiências da infraestrutura.
Seja qual for a taxa de câmbio de equilíbrio do comércio exterior brasileiro, é com certeza bem diferente da que seria se aquelas outras condições não fossem tão desfavoráveis. Mas o produtor brasileiro continuará a depender de um dólar mais caro do que seria necessário, noutras circunstâncias, porque aqueles fatores negativos não serão eliminados facilmente.
Nada justifica, por exemplo, muito otimismo quanto às possibilidades de aprovação de uma reforma tributária neste ano. Além disso, as mudanças mais importantes para o setor produtivo só entrarão em vigor pouco a pouco, ao longo de vários anos - e os benefícios ocorrerão somente se o projeto não for desfigurado no Congresso. Quanto aos investimentos em infraestrutura, só serão realizados na escala necessária se o governo exibir, no tratamento dessa questão, muito mais competência do que mostrou até agora.