Dez anos de responsabilidade fiscal 15/01/2009
- O Estado de S.Paulo
Há governadores que ainda se queixam das restrições financeiras que lhes impôs o Tesouro Nacional na renegociação das dívidas estaduais e das severas regras que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) estabeleceu para a gestão do dinheiro público. No entanto, mais de dez anos depois da renegociação, os contribuintes podem comemorar um fato inédito na história das finanças públicas brasileiras: as condições acertadas na época continuam as mesmas. E os resultados fiscais, na vigência da LRF, são muito satisfatórios.
Em 1995, 21 unidades da Federação tiveram déficit; em 2006, 22 Estados tiveram receita superior à despesa. Essa inversão não se deveu exclusivamente ao aumento da arrecadação - nesse período, a receita tributária dos Estados, que por muito tempo foi o principal fator de ajuste das finanças públicas, passou de 7,1% para 8,3% do PIB -, mas sobretudo às mudanças na gestão financeira do setor público. São mudanças forçadas pelas condições da renegociação da dívida dos Estados e pela austeridade imposta pela LRF.
Alguns resultados da transformação pela qual passaram as finanças estaduais estão no estudo "Dívida dos Estados 10 anos depois", dos economistas Marcelo Piancastelli e Rogério Boueri, do Ipea, divulgado há dias.
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A delicada situação financeira de muitos Estados provocou seguidas renegociações de suas dívidas, entre 1989 e 1993. A situação tornou-se insustentável depois de julho de 1994, com a implantação do Plano Real, que, ao reduzir abruptamente a inflação, revelou a dimensão real do rombo que sucessivas gestões irresponsáveis deixaram nos cofres estaduais. A suspensão dos pagamentos e a paralisação do fornecimento de serviços básicos à população por falta de dinheiro em caixa ameaçavam muitos governadores que assumiram em 1995. A renegociação era inevitável, mas o governo federal exigiu que fosse a última. Até agora, não houve outra nem há necessidade de haver.
Os Estados beneficiados comprometeram-se a reservar uma parcela dos recursos orçamentários para pagar juros e amortizar a dívida renegociada, corrigida monetariamente; tiveram de ajustar a estrutura de despesas para cumprir essa regra; e ficaram impedidos de contratar dívida nova enquanto não ajustassem suas finanças. A LRF impôs condições adicionais de austeridade, especialmente na área de gastos com pessoal.
Um dos resultados mais expressivos está justamente na folha de pessoal dos Estados. Os dados apresentados pelos economistas do Ipea mostram uma firme, embora não acentuada, tendência de redução desses gastos. Eles correspondiam a 4,42% do PIB em 2000, ano em que começou a vigorar a LRF, e baixaram para 4,08% em 2006. No entanto, aumentaram muito as despesas de custeio, que passaram de 1,2% para 6,1% do PIB de 1995 a 2006. Já os investimentos diminuíram, no período, de 2,2% para 0,9% do PIB.
O estudo do Ipea não avalia qualitativamente esses gastos. Aumento de custeio não é necessariamente ruim, se resultar, por exemplo, de mais gastos em postos de saúde, hospitais e escolas e na melhora da qualidade dos serviços essenciais prestados à população. É possível, porém, como admitem os autores do estudo do Ipea, que, para fugir das restrições às despesas com pessoal, as administrações estaduais tenham aumentado os gastos com serviços terceirizados.
Quanto aos investimentos, é provável que eles tenham sido cortados em alguns Estados para assegurar o cumprimento de metas fiscais estabelecidas pela LRF. É preciso deixar claro, porém, que o problema não está na lei, mas na qualidade da gestão estadual. Os Estados que não conseguiram ajustar adequadamente sua estrutura de gastos correntes (custeio e pessoal), tiveram de cortar investimentos. Outros fizeram os ajustes necessários e, mesmo com as exigências de responsabilidade fiscal, estão conseguindo investir mais.
Por isso, afirmam os autores do estudo, "o esforço do governo federal e o alto custo da renegociação foram compensadores", razão pela qual suas condições devem ser preservadas.