Chorrilho de disparates 16/01/2009
- O Estado de S.Paulo
Fiel ao seu conveniente princípio de conduta política -- não entrar em bola dividida, como diria ele, com o seu gosto pelas metáforas futebolísticas --, o presidente Lula deixa o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, à vontade em campo para ameaçar o empresariado com represálias às demissões, além de produzir um chorrilho de disparates sobre a crise que já atingiu a economia nacional. Para punir empresas que demitem ele falou, na terça-feira, em corte de crédito dos bancos estatais. O que levou o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, a cobrar dele "a lista das empresas salvas" e a adverti-lo de que "não é hora de fazer demagogia".
Felizmente, na entrevista ao Estado de ontem, o tom mudou nessa questão das conversações entre empresários e empregados: "se as partes envolvidas acordam não cabe ao poder público intervir", disse ele. Mas o resto da entrevista foi um chorrilho de disparates. O pensamento vivo de Lupi se compõe de duas peças de puro desvario. Uma acusa empresários "espertos" de desempregar, "forçando a mão para pressionar (o governo), para ganhar uma margem de lucro maior".
A outra peça contém a previsão de que a crise do desemprego no Brasil "não dura mais que dois meses" - portanto, a onda de desemprego "está no fim". Em março recomeça a geração de empregos e o ano fechou com saldo positivo de 1,5 milhão de novos postos de trabalho. Indo mais longe do que Lula com a sua teoria da "marolinha", Lupi enriquece o festival de besteiras que assola o governo com a "filosofia de vida de carioca". Ela consistiria em saber que a onda que "parece que vai matar todo mundo acaba em espuma na beira da areia". (A onda que se ergueu no Oceano Índico em dezembro de 2004, o tsunami, matou 230 mil pessoas antes de virar espuma.)
PUBLICIDADE
O ministro finge esquecer que não se demite por esperteza, muito menos por malvadeza. Os custos monetários e operacionais das demissões são o (alto) preço que um empresário sério se vê compelido a pagar como derradeiro recurso para prevenir que sua empresa passe por abalos ainda piores do que o impacto dos cortes de mão-de-obra. Dizendo o que sabe ser falso, Lupi age irresponsavelmente, fomentando antagonismos no momento em que o País mais precisa de diálogo entre os agentes produtivos. Aliás, em sua entrevista, Lupi mudou, outra vez, de tom, passando do otimismo irresponsável para o mais sombrio pessimismo, quando falou sobre as propaladas 600 mil demissões de dezembro. "É exagero?", perguntou ao jornalista. "Não posso afirmar", respondeu. "Os números estão sendo fechados. Mas a previsão é muito maior. Eu já esperava que ia ser ruim, mas não tanto."
Mas esperar o quê? Esse é o ministro que em 2007 desmoralizou a Comissão de Ética Pública do Planalto ao desprezar as suas reiteradas advertências de que o exercício simultâneo da presidência de um partido (o PDT) afrontava o Código de Conduta da Alta Administração Federal.
Felizmente, tudo indica que o presidente não concorda com o que diz seu ministro. "A empresa demite não porque quer", reconhece uma fonte próxima de Lula. "É porque precisa." Se assim é, obviamente, "a única solução é ativar a economia", excluída, por impossível, a alternativa de "obrigar uma empresa a contratar ou impedi-la de demitir". De mais a mais, "as empresas estão tomando crédito para manter a cadeia produtiva". Logo, a melhor forma de estimular o emprego não é ameaçar empresas com a suspensão do crédito oficial, mas ampliá-lo e adotar medidas eficazes de estimulo à atividade.
Mas Lula marcou uma conversa com Lupi para a segunda-feira. Antes disso, tem mais o que fazer. Voltando de merecidas férias de 15 dias, viajou ontem para a Bolívia, a fim de participar da inauguração de um trecho de estrada. Na realidade, Lula vai fazer o papel de cabo eleitoral de Evo Morales, a pedido deste, preocupado com o referendo do domingo da próxima semana sobre a nova Constituição do país. O primeiro giro presidencial do ano terminará - onde mais?- na Venezuela para um "encontro de trabalho" com Hugo Chávez, que se prepara para nova campanha eleitoral, esta para conseguir que a população referende a emenda constitucional que permitirá sua reeleição até o fim dos seus dias.