Diretas-Já foi frustrante e não contribuiu para eleições, diz cientista político 24/01/2009
- Regiane Soares - Folha Online
O movimento Diretas-Já teve efeitos políticos praticamente nulos e representou uma grande frustração para sociedade brasileira que lutava por eleição direta para presidente após o regime militar. A avaliação é do cientista político Octaciano Nogueira, professor de Ciências Políticas na UnB (Universidade de Brasília).
Segundo Nogueira, apesar de ter mobilizado líderes políticos, artistas e intelectuais em comícios realizados nos principais centros urbanos do país, o movimento não conseguiu fazer com que o Congresso Nacional aprovasse a emenda constitucional permitindo as eleições diretas.
"Claro que foi frustrante [o movimento pelas eleições diretas]. Começou sem grande repercussão e depois mobilizou a opinião pública. Mas, se não tivesse acontecido, não teria feito diferença no processo de redemocratização do país", afirmou Nogueira.
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O movimento pelas eleições diretas foi a primeira grande mobilização popular após o golpe militar de 1964. A maior manifestação foi realizada em São Paulo, em 25 janeiro de 1984, e reuniu aproximadamente cerca de 300 mil pessoas.
No dia 25 de abril de 1984 o Congresso rejeitou a emenda que tornaria possível a eleição direta ainda naquele ano. A população não pode acompanhar a votação dentro do plenário. Os militares, temendo manifestações, reforçaram a segurança ao redor do Congresso
Com a rejeição da emenda do voto direto proposta pelo deputado Dante de Oliveira, o sucessor do então presidente João Baptista Figueiredo (1979-1985) foi eleito pelo voto indireto do colégio eleitoral. Na ocasião disputaram Paulo Maluf, que representava uma facção do partido do governo, o PDS, e Tancredo Neves, do PMDB, que representava uma aliança formada por partidos de oposição ao regime militar.
Tancredo e seu vice, José Sarney (PMDB), foram eleitos pelo voto indireto. Com a morte de Tancredo, em 21 de abril de 1985, Sarney assumiu a Presidência e governou com os instrumentos dos militares, em especial o decreto-lei.
Para Nogueira, a redemocratização no Brasil só ocorre de fato com a promulgação da Constituição de 1988, que determinou a realização de eleições diretas para presidente.
Na avaliação de Nogueira, o Brasil vive uma democracia formal porque tem eleição de dois em dois anos, mas o acesso à Justiça ainda é restrito e alguns direitos previstos na Constituição não existem de fato, como o acesso à saúde, à moradia e à educação. Para o cientista, as instituições ainda são autoritárias porque não há respeito aos direitos humanos.
"Você acha que isso é democracia? Tem Constituição? Tem. Tem Congresso aberto? Tem. Tem Judiciário funcionando? Tem. Mas isso basta para uma democracia? Democracia é a prática diuturna, constante, em que as leis são obedecidas e que os direitos dos cidadãos são obedecidos sem que ele tenha que apelar à Justiça. [...] Isso não é democracia. É um simulacro da democracia", disse.
Segundo ele, serão necessários mais 200 anos para que o cidadão brasileiro viva de fato a democracia. O que falta, segundo ele, é consciência cívica, pois a democracia depende da cultura de um povo.
"Se as pessoas têm civilidade, são capazes de viver em conjunto. Ou seja, respeitar o próximo, respeitar o que é público, sujeitar-se às leis que são justas e revoltar-se contra as que são injustas. Isso que é cultura cívica", afirmou.