A força da natureza 25/01/2009
- O Estado de S.Paulo
O sapo já ia recusar o pedido que lhe fizera o escorpião, de levá-lo na garupa ao atravessar o rio, pois sabia do risco de ser ferrado e afundar, quando ouviu do candidato à "carona" o lógico argumento: se você afundar eu afundo junto e morremos os dois. Graças a esse convincente argumento o sapo levou o carona e seus ferrões. No meio da travessia o escorpião ferrou o sapo que, já agonizante, indagou perplexo: mas por quê? - Está na minha natureza, caro amigo - foi a última coisa que ouviu.
É que não há lógica que supere a natureza das pessoas - ensina a fábula.
Durante os dias em que foi adiado o último encontro do presidente Lula com o senador Sarney para que mais uma vez tratassem do problema da escolha do próximo presidente do Senado e do Congresso, Lula não teve motivo para se preocupar com a ocorrência de algum "imbróglio" em sua base parlamentar envolvendo o PMDB, partido do senador, e o PT, partido do presidente, este último com candidato já devidamente lançado, o senador Tião Viana (AC). Afinal de contas, Sarney já afirmara, reiterara e insistira no seguinte "princípio": só aceitaria o posto se houvesse um consenso em torno do seu nome. Jamais o disputaria com quem quer que fosse.
PUBLICIDADE
O atual presidente do Senado, que se confessou "frustrado e surpreso" quando, já depois das 23 horas de segunda-feira, o correligionário Sarney bateu-lhe à porta para anunciar que se candidataria a sua sucessão, estivera tranquilo até a véspera, pois o senador pelo Amapá lhe prometera voto e apoio em sua reeleição. O candidato petista Tião Viana, por sua vez, como já selara com Garibaldi um pacto de "não renúncia" a suas candidaturas e confiava no "princípio do consenso" apregoado por Sarney, sentia-se tranquilo - até que Sarney fez Garibaldi desistir da reeleição e se anunciou disposto a se esquecer do "princípio", mandar às favas o "consenso" e disputar com o candidato do PT, no voto, a direção do Senado e do Congresso Nacional. De fato, ninguém contraria a própria natureza.
Considerando que o PT e o PMDB, por acordo feito na eleição de Garibaldi Alves, já chegaram a um candidato de pleno consenso à presidência da Câmara dos Deputados - a saber, o deputado Michel Temer, presidente do PMDB -, o Partido dos Trabalhadores julgava tranquila a eleição, no Senado, do petista Tião Viana. A contrariedade petista ante a possibilidade de o PMDB comandar as duas Casas - se Sarney dirigir o Senado - é assim expressa pela líder do PT na Câmara Alta, senadora Ideli Salvatti: "Não há possibilidade de o PMDB, que tem apenas um quinto dos parlamentares, presidir as duas Casas (...) Já tem deputados me ligando, inclusive petistas, para perguntar como é que fica, porque não aceitam que o PMDB comande sozinho o Congresso."
A esta altura o deputado Michel Temer pode botar as barbas de molho...
O senador Tião Viana aponta no grupo que apoia a candidatura do senador Sarney à presidência do Senado "forças políticas" interessadas em "expandir poder" para além das fronteiras do Legislativo. "Então, esse grupo usa todas as forças", diz o senador petista, que já foi vice-presidente da Casa e ocupou interinamente a presidência durante a crise que levou ao afastamento e depois à renúncia de Renan Calheiros (PMDB-AL) à presidência. Para os petistas o governo não terá como escapar das consequências políticas de uma disputa entre Viana e Sarney. Ou o planalto terá que arcar com as mágoas da campanha e das insatisfações dos peemedebistas, em caso de derrota, ou pagará o preço alto das exigências de um PMDB que, tendo em suas mãos a decisão sobre todo andamento do Congresso, fará do governo um refém.
É verdade que o interesse em "expandir o poder", a que se refere Tião Viana, extrapola o PMDB e constitui um traço característico de grande parte dos políticos brasileiros, principalmente os veteranos da política. Mas, no caso de Sarney, essa "expansão" também está ligada ao coronelismo regional, haja vista o fato de o esforço do ex-presidente para recuperar o poder em Brasília ter tudo que ver com seu esforço para recuperar o poder no Maranhão. O primeiro via Legislativo e o segundo via Judiciário.