Mais briga entre ministros 26/01/2009
- O Estado de S.Paulo
Depois do confronto entre os ministros da Agricultura, Desenvolvimento Agrário e Meio Ambiente por causa do projeto do novo Código Florestal, a confusão reinante na Esplanada dos Ministérios, decorrente da má qualidade de gestão e falta de comando administrativo do governo, tem agora um novo capítulo, no qual os dois principais personagens são o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, e o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias.
O confronto começou quando Mangabeira, depois de anunciar que lideraria uma "caravana para o Nordeste", passou a criticar os critérios de escolha dos beneficiários do Bolsa-Família nessa região e a alardear que o Ministério de Assuntos Estratégicos já começou a estudar novos critérios. Em vez de privilegiar os mais pobres, diz ele, o Bolsa-Família deveria ser direcionado aos que já estão próximos de se integrar à classe média. "O ponto nevrálgico é escolher corretamente o alvo. Muitas vezes tenta-se abordar o núcleo duro da pobreza com programas capacitadores e, aí, eles não funcionam. As populações mais miseráveis são cercadas por um conjunto de inibições, até de ordem cultural, o que dificulta o êxito desses programas", disse o ministro ao jornal O Globo.
Para Mangabeira, o Nordeste estaria vivendo "um vazio intelectual", precisando ser "libertado" do que chamou de "ilusão do pobrismo". Segundo ele, o governo deixou-se levar por essa ilusão ao adotar programas de capacitação profissional que beneficiam os setores mais desfavorecidos da população, quando o mais sensato teria sido valorizar trabalhadores que estão empregados.
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Esses, diz o ministro, criando nova categoria sociológica, são os "batalhadores", situando-se entre os mais pobres e a pequena burguesia empreendedora, com "papel decisivo e desconhecido" no País. "São trabalhadores saídos do mesmo meio pobre, mas que têm dois ou três empregos. Eles já demonstraram ser resgatáveis, porque já começaram a se resgatar", afirma Mangabeira.
Ele quer aproveitar a caravana para o Nordeste para converter em bandeira política a tese de que programas como o Bolsa-Família não servem para quem vive na miséria. "Vejo o Nordeste não como uma região atrasada, que precise de políticas compensatórias, mas como um terreno vanguardista para definir nosso padrão de desenvolvimento. O Nordeste é a nossa China (sic!). Será no mau sentido se for apenas manancial de trabalho barato, e, no bom sentido, se for uma fábrica de engenho e inovação", diz Mangabeira. "O problema é que faltam ideias. O Nordeste não tem projeto forte desde a época de Celso Furtado e João Goulart. Esse vazio é preenchido por duas ilusões. A do pobrismo, de que basta aliviar a pobreza com ações sociais, e a do são-paulismo, o fascínio por grandes indústrias, refinarias e siderúrgicas", conclui.
A tese é controversa e revela um antigo preconceito com o Sudeste, a região mais industrializada do País, que o ministro jamais fez questão de esconder em suas aulas e seus livros, quando era apenas um acadêmico que via o Brasil a partir de sua sala na Harvard Law School, em Cambridge. Suas ideias também colidem com todos os argumentos técnicos e políticos que o presidente Lula invocou para justificar o Bolsa-Família, um programa criado em 2003 para integrar o Fome Zero e que foi decisivo para sua reeleição em 2006.
Além das controvérsias teóricas que vem suscitando, a proposta de mudança do Bolsa-Família defendida pelo ministro de Assuntos Estratégicos esbarra em problemas administrativos e legais. Sua Pasta não tem jurisdição sobre o Bolsa-Família, que pertence à área de competência do Ministério do Desenvolvimento Social. Surpreendido com as críticas de Mangabeira ao principal programa social do governo, o ministro Patrus Ananias evitou polemizar, mas não resistiu à tentação de fazer ironias com relação aos planos e projetos "estratégicos" que Mangabeira vem anunciando para a Amazônia e, agora, para o Nordeste.
No caso do confronto interministerial por causa do projeto do novo Código Florestal, Lula demorou semanas para arbitrá-lo. Nessa colisão entre Mangabeira e Ananias, o presidente até agora não disse uma única palavra. Essa é mais uma amostra de como funciona (ou não funciona) um governo sem comando.