Como se não soubesse que a crise já corrói a arrecadação tributária em todos os níveis de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu, na quarta-feira passada, a 17 governadores da Amazônia Legal e do Nordeste que mantenham os investimentos, antecipem as obras que puderem e reduzam impostos para estimular a atividade econômica. O presidente pretende repetir esse discurso aos prefeitos com os quais se reunirá no dia 10. Sem recusar o pedido do presidente, alguns governadores observaram que medidas de desoneração tributária anunciadas pelo governo federal para impulsionar a economia afetam a arrecadação de impostos que são compartilhados com os Estados, que perdem receita.
Com louvável senso de realismo, os governadores já vinham procurando conter gastos, como acaba de fazer o governo federal, que bloqueou preventivamente R$ 37,2 bilhões das despesas de custeio e investimentos do Orçamento de 2009. Diversos governos estaduais vêm adotando medidas fiscais rigorosas, como cortes de despesas e contingenciamento de recursos, como mostrou reportagem de Guilherme Scarance publicada domingo, dia 25, pelo Estado. É mais uma demonstração da mudança da mentalidade do administrador público graças, sobretudo, à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em vigor desde 2000.
Nove governadores já fizeram cortes no Orçamento de 2009 ou contingenciaram parte de seus recursos, aguardando a melhora do quadro econômico para liberá-la, se for o caso. Outros cinco governadores estudam o comportamento das receitas e podem, também, cortar despesas ou contingenciá-las, para ajustar as finanças estaduais à realidade.
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À queda da arrecadação do ICMS, principal tributo estadual, que foi constatada no fim de 2008 e tende a se repetir pelo menos nos primeiros meses deste ano, soma-se outro problema para os Tesouros estaduais. É a redução das transferências obrigatórias da União para os Estados, por meio do Fundo de Participação dos Estados (FPE), em razão da queda da arrecadação de tributos federais que o compõem. Da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a União repassa 21,5% para os Estados. No início do mês, a Secretaria do Tesouro Nacional divulgou estimativa de queda de 4,4% nos repasses de janeiro para os Estados, na comparação com o valor repassado em janeiro de 2008.
A quebra da arrecadação se deve, basicamente, à redução do ritmo de atividade da economia, que se acentuou nos últimos meses. Mas as desonerações tributárias anunciadas pelo governo Lula para estimular a produção e o consumo - entre elas a correção da Tabela do Imposto de Renda Pessoa Física e a redução das alíquotas do IPI sobre automóveis - também afetam as transferências para os Estados e devem resultar na quebra de R$ 1,38 bilhão do total a ser repassado em 2009.
Diante desse quadro, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), determinou, logo no início do ano, o contingenciamento de R$ 1,57 bilhão do Orçamento de 2009. Da medida estão isentas somente as Secretarias de Saúde, Educação, Segurança Pública e Administração Penitenciária. Este é, em valor, o maior ajuste já decidido nos Estados.
Em porcentagem, porém, o ajuste mais profundo é o decidido pela governadora do Rio Grande do Norte, Wilma de Faria (PSB), que congelou 25% das despesas de custeio e 15% dos investimentos, o que totaliza R$ 1,3 bilhão. "Estamos nos preparando para os efeitos da crise, que virão mais fortes no primeiro semestre", justificou o secretário de Planejamento e Finanças, Francisco Vagner de Araújo. No início da crise internacional, o governo de Goiás retirou da Assembleia a proposta orçamentária e a refez, com corte de 8%. Os governos de Roraima, Piauí, Amazonas, Bahia, Espírito Santo e Distrito Federal também cortaram seus orçamentos.
Se bem feitos, os cortes preservarão a maior parte dos investimentos. Esta é hoje a melhor coisa a ser feita na área pública. Aumentar os investimentos, como quer o presidente, é sempre desejável, mas é muito difícil acreditar que isso possa ser feito num período de crescente queda de receita.