Estatuto racista 09/02/2009
- Carlos Alberto Di Franco*
Em recente entrevista à revista Época, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) teve a coragem de romper o monólogo politicamente correto que tem dominado a tramitação do projeto de lei que cria cotas para negros e índios nas universidades federais.
Segundo o senador goiano, "esse é um projeto com grande potencial de dividir a sociedade brasileira. A partir do momento em que nós jogarmos uns contra os outros e passarmos a rotular aqueles que terão mais direito a frequentar uma universidade pública por causa de raça, nós vamos deixar de ser brasileiros. Seremos negros, pardos, brancos, mamelucos, bugres, mas não seremos mais brasileiros".
O tema é polêmico. Deve, portanto, ser discutido com profundidade e respeito à diversidade de opinião. Não é o que tem acontecido. "O patrulhamento é tanto que muito parlamentar tem medo de arranhar a própria imagem", sublinha Torres. "Muitos têm medo de aparecer em público contra o movimento negro e ser tachados de racistas, embora não sejam."
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Está surgindo, de forma acelerada, uma nova "democracia" totalitária e ditatorial, que pretende espoliar milhões de cidadãos do direito fundamental de opinar, elemento essencial da democracia. Se a ditadura politicamente correta constrange senadores da República, não pode, por óbvio, acuar jornalistas e redações. O primeiro mandamento do jornalismo de qualidade é a independência. Não podemos sucumbir às pressões dos lobbies direitistas, esquerdistas, homossexuais ou raciais. O Brasil eliminou a censura. E só há um desvio pior que o controle governamental da informação: a autocensura. Para o jornalismo não há vetos, tabus e proibições. Informar é um dever ético.
Não Somos Racistas: uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor (Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2006) é o título de um livro do jornalista Ali Kamel. A obra, séria e bem documentada, ilumina o debate. Mostra o outro lado da discussão sobre as políticas compensatórias ou "ações afirmativas" para remir a pobreza que, supostamente, castiga a população negra.
Kamel, diretor-executivo de Jornalismo da Rede Globo de Televisão e ex-aluno do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é uma alma de repórter. Por isso, questiona pretensas unanimidades. Fustigado pela sua intuição jornalística, flagrou um denominador comum nos diversos projetos instituindo cotas raciais: a divisão do Brasil em duas cores, os brancos e os não-brancos, com os não-brancos sendo considerados todos negros. A miscigenação, riqueza maior da nossa cultura, evaporou nos rarefeitos laboratórios dos legisladores.
"Certo dia", comenta Kamel, "caiu a ficha: para as estatísticas, negros eram todos aqueles que não eram brancos. (...) Pior: uma nação de brancos e negros onde os brancos oprimem os negros. Outro susto: aquele país não era o meu."
Do espanto nasceu a reflexão. O desvio começa na década de 1950, pela ação da escola de Florestan Fernandes, da qual participava Fernando Henrique Cardoso. Para o autor, FHC presidente foi sempre seguidor do jovem sociólogo Fernando Henrique. Convencido de que a razão da desigualdade é o racismo dos brancos, FHC foi, de fato, o grande mentor das políticas de preferência racial. Lula, com sua obsessão populista, embarcou com tudo na canoa das cotas raciais. O Brasil, como todos vivenciamos, nunca foi um país racista. Tem, infelizmente, pessoas racistas. A cultura nacional, no entanto, sempre foi uma ode à miscigenação. As políticas compensatórias, certamente movidas pela melhor das intenções, produzirão um efeito perverso: despertarão o ódio racial e não conseguirão cauterizar a ferida da desigualdade.
Esgrimindo argumentos convincentes, o jornalista mostra que os desníveis salariais entre brancos e negros não têm fundamento racista: ganham menos sempre os que têm menos escolaridade. "Os mecanismos sociais de exclusão têm como vítimas os pobres, sejam brancos, negros, pardos, amarelos ou índios. E o principal mecanismo de reprodução da pobreza é a educação pública de baixa qualidade." Só investimentos maciços em educação podem erradicar a pobreza. É preciso fugir da miragem do assistencialismo. "Tire o dinheiro do programa social e o pobre voltará a ser pobre, caso tenha saído da pobreza graças ao assistencialismo. E o pior: num país pobre como o nosso, cada centavo que deixa de ir para a educação contribui para a manutenção dos pobres na vida trágica que levam", adverte o autor.
Numa primeira reflexão, nada mais justo do que dar aos negros a oportunidade de ingressar num curso superior. Mas, quando examinamos o tema com profundidade, vemos que não se trata de uma providência tão justa quanto parece. Ao tentar corrigir a injustiça que, historicamente, marcou milhões de brasileiros, cria-se um universitário de segunda classe, que não terá chegado à universidade por seus méritos. Ademais, ao privilegiar etnias, a lei discrimina outros jovens brasileiros pobres que não se enquadram no perfil racial artificialmente desenhado pelo legislador. Oculta-se a verdadeira raiz da injustiça: a baixíssima qualidade do ensino.
Os negros brasileiros não precisam de favor. "Precisam apenas de ter acesso a um ensino básico de qualidade, que lhes permita disputar de igual para igual com gente de toda cor." Impõe-se um debate mais sério. Uma discussão livre das ataduras do patrulhamento ideológico. Afinal, caro leitor, o que está em jogo é a própria identidade cultural do nosso país.
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Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com) E-mail: difranco@iics.org.br