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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Os selvagens debiloides
11/02/2009 - O Estado de S.Paulo

Eles são selvagens porque se utilizam de métodos os mais violentos para maltratar seus semelhantes, não demonstram o mínimo de respeito para com o próximo, têm comportamento que nem remotamente indicam a prática de hábitos civilizados e descambam para um tipo de "disputa" sem limites. Mas são debiloides porque praticam atos próprios de débeis mentais, gratuitos, inúteis, numa disputa sem causa alguma, com agressões sem qualquer sentido, em pretensa "comemoração" que não passa de extravasão da própria estupidez. Sim, caros leitores, lamentavelmente estamos tratando aqui de jovens universitários, dedicados à imbecilidade descontrolada dos trotes, praticados contra os "calouros" em seus primeiros dias de aula em alguns cursos superiores.

A cada ano se repetem as cenas revoltantes de jovens humilhando e agredindo outros jovens, a pretexto de festejar o esforço vitorioso de passar em um vestibular e entrar numa faculdade. Já se chegou ao extremo de causar - em circunstâncias não bem esclarecidas - a morte de um colega, há poucos anos, numa faculdade de medicina de São Paulo. Sempre há um estabelecimento de ensino superior (?!) que se destaca nessa prática violenta. Este ano, até o momento, ganha o abjeto troféu a Faculdade de Medicina Veterinária Anhanguera, na cidade de Leme.

Um estudante foi amarrado a um poste e apanhou com chicote. Fizeram-no beber pinga até que entrasse em coma alcoólico. Mas o requinte de crueldade praticada contra os jovens calouros foi além: os veteranos colocaram uma lona no chão com excremento de animais. No meio disso jogaram animais em decomposição, cheios de vermes. Os calouros eram obrigados a rolar nessa fétida lama, além de comer ração de cachorro.


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Como se explica tamanha manifestação de maldade gratuita, a título de mera diversão? É claro que a primeira resposta não pode escapar da obviedade da ausência de valores morais, na juventude - e, certamente, depois dela. A falta de regras, de limites ao comportamento transgressor dos jovens, pode resultar em tragédias na comemoração de um dos bons momentos da vida, como o é o sucesso num vestibular. É aí que se configura a quebra do valor fundamental - que alicerça os demais -, qual seja, o do respeito ao próximo. Veem-se, então, as aberrantes cenas de jovens tratando colegas como não se tratam nem os animais peçonhentos.

Por sobre tudo isso está a chaga correlata à ausência de valores, que é a crônica impunidade. Num país em que a maioridade penal - portanto, a responsabilidade criminal - só começa aos 18 anos, o que, no mundo, só ocorre na Venezuela, Colômbia e Guiné, países marcados pela violência civil e política; num país em que os criminosos só têm que cumprir em reclusão um sexto de suas penas (por que não um terço, um sétimo ou um nono?); não há por que os jovens temerem algum tipo de punição pelos atos que pratiquem. Então, tudo lhes é permitido, mesmo porque não há polícia vigiando os trotes, apesar da certeza de que haverá abusos.

É verdade que em algumas faculdades já se tenta substituir o trote abrutalhado e perverso por um trote "sustentável", ambiental e socialmente correto, que resulte em algum benefício para pessoas que dependem do trabalho voluntário. Mas, infelizmente, há as que não adotam essa prática. De qualquer forma, os órgãos diretores ou as entidades mantenedoras dessas faculdades em que os alunos se tornam verdadeiros torturadores de seus novos colegas têm a obrigação de reprimir essa prática com o maior rigor - inclusive em benefício da imagem da instituição de ensino a que se dedicam.

Nunca se falou tanto em Educação como nos últimos anos. É ponto pacífico que só ela é capaz de incentivar e manter em bom patamar a pesquisa científica, parte indissociável do progresso socioeconômico e cultural do País. Mas também é certo que, sem a consciência que os jovens tenham de sua responsabilidade - na qual se inclui a convivência fraterna e civilizada com os colegas -, valores de espécie alguma poderão ser preservados para as próximas gerações.

  

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