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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Pirotecnia judicial
28/03/2009 - O Estado de S.Paulo

Independentemente dos fatores objetivos que levaram proprietários e executivos da Daslu a serem condenados por importação fraudulenta, falsidade ideológica, sonegação e formação de quadrilha, a ordem de sua prisão, os argumentos invocados para justificá-la e a fundamentação da própria sentença vão muito além das técnicas legais e do formalismo jurídico, convertendo-se em mais um espetáculo de pirotecnia judicial. Um dos condenados é a empresária Eliana Tranchesi, que sofre de câncer pulmonar e vem sendo submetida a tratamento quimioterápico.

Se os documentos e as provas materiais coletadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público contra a Daslu eram inequívocos, bastava à juíza encarregada do caso, da 2ª Vara Federal de Guarulhos, aplicar as penas previstas pela legislação penal, como ocorre em qualquer ação judicial. Contudo, certamente porque Eliana Tranchesi e seu irmão, Antonio Piva de Albuquerque, pertencem à alta sociedade e aparecem frequentemente nas colunas sociais dos jornais e em revistas de moda, a sentença de condenação mais parece uma plataforma política, tal a quantidade de afirmações maniqueístas, contrapondo ricos e pobres.

A motivação política também está presente na fixação das penas, que foi de 94 anos e 180 dias no caso de Eliana. Embora a ação fosse de sonegação fiscal, a punição em muito supera a aplicada a Suzane von Richthofen, que foi condenada a 39 anos pelo assassinato dos pais, em 2002. Como justificar tamanha falta de proporção?


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Na sentença condenatória, Eliana Tranchesi e seu irmão foram classificados como "profissionais do crime" e acusados de fazer do crime um "verdadeiro modo de vida" e de ter conduta motivada por "cobiça em busca de acumulação de riqueza proveniente de meios ilícitos ". E, ao elogiar a decisão, o autor da denúncia, o promotor Matheus Baraldi Magnani, disse que ela "prova" que "um criminoso não é somente um desgraçado com um fuzil na mão, que está no topo de um morro".

Mais grave ainda foi a ordem de prisão preventiva dada pela juíza da 2ª Vara Federal de Guarulhos, desprezando orientação expressa do Supremo Tribunal Federal (STF). Há alguns meses, o STF determinou que réus condenados somente podem ser presos depois de esgotados todos os recursos a que têm direito ou, então, em exceções que justifiquem prisão preventiva. No caso dos proprietários da Daslu, a exceção não se aplica, pois são réus primários, respondiam ao processo em liberdade, compareceram a todas as audiências e vinham negociando o pagamento de impostos atrasados, multas e juros com a Receita Federal. Não havia motivo que justificasse a prisão preventiva.

Além disso, como foram condenados em primeira instância, Eliana e o irmão podem recorrer ao Tribunal Regional Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) - como foi feito - e sempre em liberdade, como determina o Supremo. Ao justificar a ordem de prisão e o desrespeito à orientação do STF, a juíza da 2ª Vara Federal de Guarulhos afirmou que "as prisões são essenciais para garantir a ordem pública" e "acautelar o meio social, retirando do convívio da comunidade aqueles que demonstrem ser dotados de intensa periculosidade". Segundo ela, "caso os réus venham a permanecer em liberdade, haverá um forte sentimento negativo de insegurança, de impunidade por parte de toda a sociedade, havendo, indubitavelmente, forte abalo à ordem pública".

No entanto, seguindo orientação do Supremo, os tribunais vêm permitindo a réus condenados por crimes violentos, como homicídio e latrocínio, aguardarem em liberdade o julgamento de seus recursos, até a sentença definitiva. O que é mais perigoso para a sociedade, deixar livre uma empresária sonegadora que tem residência fixa ou autores de crimes contra a vida?

Evidentemente, quem transgrediu a lei tem de ser punido, seja rico ou pobre. O que não se pode é aceitar que a condição social dos réus - no caso, pessoas abastadas - seja invocada como justificativa para tratamento diferenciado e cruel: uma punição desproporcional ao crime cometido e a negação do direito de recorrer em liberdade. A decisão do STJ, que mandou libertar os réus, repôs o caso no seu devido lugar.

  

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