Limite para as bondades 06/04/2009
- O Estado de S.Paulo
Há um limite para as desonerações tributárias que o governo vem concedendo para estimular alguns setores da economia - e ele está prestes a ser atingido, se já não o foi. Depois de fazer tal advertência, a secretária da Receita Federal, Lina Maria Vieira, observou, em entrevista ao Estado publicada na sexta-feira, que o governo não pode cair no que chamou de "armadilha tributária", ou seja, uma situação na qual precisa socorrer um setor e não tem mais como fazer isso, porque a situação fiscal não permite.
Os cortes de tributos, segundo a secretária da Receita, estão sujeitos a dois limites. Do lado institucional, o limite está dado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), cujo artigo 14 dispõe que, para cada desoneração de tributos, o governo precisa apresentar uma fonte de receita compensatória ou o correspondente corte de despesas. Do lado econômico, o limite é definido pelos órgãos técnicos do governo (Ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), com a escolha dos setores da economia a serem apoiados e com que volume de recursos.
E há, obviamente, o limite dado pelas condições financeiras do governo - e é esse que está prestes a ser alcançado, se ainda não o foi. "Está apertado", diz a secretária da Receita, o espaço para novas "bondades", como são chamadas as medidas de desoneração tributária. De acordo com seus cálculos, desde o início do primeiro mandato do presidente Lula, o governo federal já abriu mão de R$ 140 bilhões de receita, em favor de indústrias e de pessoas físicas.
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Para 2009, a Receita prevê uma arrecadação tributária de R$ 485 bilhões, R$ 200 bilhões menos do que em 2008. É uma redução substancial, que cria para o governo Lula uma situação muito diferente da vivida nos seus seis primeiros anos. Até o ano passado, a arrecadação federal cresceu ininterruptamente, e sempre mais do que o PIB, o que resultou no aumento da carga tributária. Mesmo com a queda prevista para este ano, a secretária da Receita elogia as medidas de desoneração anunciadas até agora, porque, diz ela, o governo atendeu aos setores que geram emprego, como construção civil e indústria automobilística.
Mas os números dos dois primeiros meses de 2009 mostram uma tendência preocupante de deterioração da política fiscal - e o exemplo mais gritante é o da queda de 3,05% das receitas, simultânea ao aumento de 19,59% das despesas, puxadas pelos gastos com pessoal, que aumentaram 25,36% na comparação com o ano passado. Esses dados reforçam a tese do limite para as desonerações.
É um quadro que exige outra mudança de comportamento do governo na área fiscal. A secretária da Receita diz, com sensatez, que "terá que haver no governo a conscientização da qualidade de gasto". Deveria ser norma que o governo sempre gastasse bem o dinheiro que arrecada - o que, no entanto, raramente acontece; mas nos casos de queda notável de arrecadação, esse comportamento dos administradores públicos não é apenas recomendável, é essencial.
"Todos os Ministérios terão de fazer uma contenção de despesas", diz Lina Vieira, "mas de forma a não prejudicar o desenvolvimento de muitos projetos e programas em execução." Ajudado pelo aumento constante e rápido da arrecadação, até agora o governo Lula nunca precisou se preocupar com isso. Por causa da queda da receita tributária, terá de demonstrar uma competência até agora desconhecida do público.
De sua parte, a Receita, como anunciou Lina Vieira, agirá com mais racionalidade para tentar compensar, por meio de um combate mais eficaz à sonegação e ao contrabando, parte da quebra da arrecadação. A secretária Lina Vieira já anunciou que a Receita retirou o foco da ação fiscalizadora dos assalariados e das deduções de sua renda bruta com despesas médicas e está se concentrando nos grandes contribuintes com longa história de sonegação ou fraudes tributárias. É uma mudança de enfoque que deveria ter sido feita há muito mais tempo.
Preocupam, no entanto, certas ações do governo, de iniciativa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e com reflexo direto sobre a arrecadação tributária, como a polêmica decisão de publicar o nome de contribuintes cujos débitos foram inscritos na Dívida Ativa da União. É uma medida intimidatória que, como admite o governo, será questionada na Justiça.