O STF e os remédios do SUS 13/04/2009
- O Estado de S.Paulo
Depois de avocar a responsabilidade de definir o destino da enxurrada de liminares que têm sido concedidas pelas instâncias inferiores da magistratura contra Estados e municípios, obrigando-os a fornecer, gratuitamente, remédios de alto custo que não constam das listas do Sistema Único de Saúde (SUS), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu promover audiência pública para ouvir os setores interessados, antes de julgar a questão. A audiência foi marcada para a última semana de abril e os debates, que serão transmitidos ao vivo pela TV Justiça, servirão para orientar o julgamento.
Nem mesmo a mais alta Corte do País sabe, ao certo, quantas ações foram ajuizadas contra as autoridades da área de saúde em todo o País. Mas todas elas têm o apoio do Ministério Público e se baseiam no artigo 196 da Constituição, cujo texto é claro. Ele define a saúde como "direito de todos e dever do Estado" e atribui ao poder público a obrigação de garantir esse direito "mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".
Com base nesse artigo, os autores das ações pedem à Justiça que obrigue os municípios, os Estados e a União a prestar serviços não previstos pelas políticas públicas existentes e a assegurar aos pacientes o fornecimento regular e gratuito de medicamentos de última geração e de suplementos alimentares recém-aparecidos no mercado. Também se pede aos tribunais o fornecimento de próteses, a realização de cirurgias e até tratamentos médicos no exterior.
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Para as autoridades da saúde, vários desses pedidos não se justificam, do ponto de vista clínico, e a maioria dos novos medicamentos exigidos judicialmente custa muito mais do que aqueles que já estão incluídos na lista de distribuição do SUS. Em outras palavras, os medicamentos similares seriam mais baratos e teriam efeito terapêutico semelhante ao dos novos remédios. Além disso, muitos desses remédios são comercializados apenas no exterior, não tendo sido ainda devidamente registrados no Brasil por seus fabricantes. Assim, alegam as autoridades da saúde, os milhares de liminares que as obrigam a fornecer indiscriminadamente medicamentos novos e caros, sob pena de bloqueio de verbas públicas, estariam desorganizando o planejamento e as finanças dos Estados e municípios.
Só em São Paulo, onde tramitam mais de 25 mil ações desse tipo, desde 2002, a Secretaria da Saúde gasta R$ 25 milhões por mês para cumprir ordens judiciais de distribuição de medicamentos que não constam da lista do SUS. No Rio Grande do Sul, onde foram impetradas cerca de 4,5 mil ações somente no primeiro semestre de 2008, o gasto é de R$ 6,5 milhões mensais.
Já se sabe que na audiência pública marcada para o final do mês pelo STF, os secretários estaduais de Saúde e os procuradores de Justiça dos Estados deverão voltar à tese da "judicialização da saúde" e criticar o excesso de "ativismo" de promotores de Justiça e defensores públicos. No Estado do Rio de Janeiro, 90% das ações que reivindicam remédios e tratamentos específicos que não constam da lista do SUS foram impetradas pela Defensoria Pública, órgão que dá assistência jurídica à população carente. Com o apoio de ONGs e entidades defensoras de direitos humanos, o Ministério Público e as Defensorias Públicas deverão, por seu lado, repetir o que têm dito - ou seja, que a medicina evolui, que as listas de medicamentos do SUS estão defasadas e que o artigo 196 da Constituição tem sido sistematicamente desrespeitado pelas autoridades da saúde.
O que permitiu ao STF avocar para si o julgamento da questão no mérito e vincular a decisão que adotar a todos os processos abertos contra as autoridades da saúde é o princípio da repercussão geral. Trata-se de um mecanismo processual criado pela reforma do Judiciário, em 2004, para agilizar o julgamento das chamadas "ações de massa". Graças a ele, ações que interessam a contingentes expressivos da população e são importantes para o equilíbrio das finanças públicas podem tramitar mais rapidamente.